Investigação histórica sobre o Arthropleura lança nova luz sobre os ancestrais dos milípedes e centopédias
Durante quase dois séculos, a comunidade científica tem buscado solucionar um intrigante mistério sobre o Arthropleura, um animal semelhante a um milípede que habitou a Terra há mais de 300 milhões de anos. Recentemente, a descoberta de dois fósseis bem preservados dessa criatura na França trouxe à tona informações sem precedentes sobre a sua morfologia e comportamento, especialmente sobre a estrutura de sua cabeça. Este avanço significativo foi publicado no dia 9 de outubro de 2023 na revista Science Advances e marca um grande passo na compreensão do ecossistema do período em que esses artrópodes gigantes viveram. O Arthropleura é reconhecido como o maior artrópode que já existiu, um título de destaque que acentua a importância desta descoberta.
Os fósseis do Arthropleura foram primeiramente encontrados por cientistas na Grã-Bretanha em 1854. Alguns dos espécimes adultos alcançavam impressionantes 2,6 metros de comprimento, mas nenhum dos fósseis anteriores incluía informações sobre a cabeça, um aspecto crucial para entender o modo de vida dessa espécie. Historicamente, a falta de uma amostra completa levou a especulações sobre se o Arthropleura era um predador, como os centopédias, ou um organismo que se alimentava de matéria orgânica em decomposição, como os milípedes. Para resolver essa questão, a equipe de pesquisa analisou fósseis de dois indivíduos juvenis de Arthropleura, descobertos na década de 1970 na França, e as características reveladas oferecem novos insights sobre a relação evolutiva entre milípedes e centopédias.
A pesquisa indicou que os traços da cabeça dos fósseis exhibem características tanto de milípedes quando de centopédias, sugerindo que esses dois grupos de artrópodes estão mais interligados do que se pensava anteriormente. O paleontólogo Dr. Greg Edgecombe, um dos coautores do estudo, destacou a contribuição das análises genéticas, que combinaram dados de centenas de genes de espécies existentes para posicionar esses fósseis nas árvores evolutivas. Esta abordagem inovadora permitiu que os cientistas estabelecessem que milípedes e centopédias são, na verdade, parentes mais próximos, uma conclusão que reafirma a teoria evolutiva contemporânea. O uso de microtomografia computadorizada (microCT) e imagens de síncrotron foi essencial para detalhar a anatomia do Arthropleura, em um nível de precisão difícil de alcançar por métodos tradicionais.
A análise revelou que os fósseis pertenciam a uma época em que a atmosfera da Terra apresentava níveis elevados de oxigênio, permitindo que grandes criaturas como escorpiões e insetos semelhantes a libélulas atingissem tamanhos descomunais. O Arthropleura, com suas cerca de 2,6 metros de comprimento, é um exemplo fascinante dessa era das “criações gigantes”. A peculiaridade dos fósseis encontrados se ampliou quando se identificou que, embora os espécimes analisados fossem juvenis (medindo entre 25 e 40 milímetros), eles possuíam características significativas que ligam a anatomia dele às características dos milípedes e centopédias modernos. Essa descoberta não apenas fornece novos dados para entender a morfologia do Arthropleura, mas também promove uma reconsideração nas teorias sobre a sua dieta e comportamento.
A equipe de pesquisa notou que a identidade morfológica do Arthropleura inclui aspectos como mandíbulas e partes bucais que remetem a milípedes primitivos, além de olhos com hastes, como os crustáceos. Essas características geraram questionamentos sobre a sua dieta, uma vez que não foram identificados dentes venenosos ou membros especializados para captura de presa. Sugere-se, portanto, que o Arthropleura não fosse um predador, mas sim uma criatura que se alimentava de detritos, similar aos milípedes contemporâneos. Outro aspecto intrigante é a presença dos olhos, que poderia indicar um estilo de vida amphibious, uma propriedade que necessitará de mais investigações para confirmar se esses artrópodes tinham adaptações para ambientes aquáticos.
Embora a descoberta da cabeça completa do Arthropleura represente um avanço significativo no entendimento sobre este artrópode enigmático, muitos mistérios permanecem. Os pesquisadores ainda precisam descobrir outros fósseis que possam fornecer informações sobre o sistema respiratório do Arthropleura, fundamental para entender plenamente seu papel nos ecossistemas antigos, como sua alimentação e hábitos de vida. O próximo passo na pesquisa é determinar se os espécimes juvenis encontrados abarcam todas as variações de tamanho conhecidas ou se existe uma classificação para uma nova espécie menor. O estudo promete revelar informações cruciais sobre a biologia e ecologia do Arthropleura, contribuindo para o conhecimento mais amplo sobre a evolução dos artrópodes e seus habitats ao longo do tempo.
A novidade dessa investigação poderia, assim, dar suporte a teorias mais abrangentes sobre a biodiversidade do passado e as relações evolutivas que moldaram os organismos modernos. De acordo com a análise, a complexidade da biologia do Arthropleura, com suas características morfológicas únicas que misturam aspectos de diferentes grupos de artrópodes, pode oferecer uma nova compreensão da história evolutiva e da adaptabilidade das espécies terrestres. Esta pesquisa abre caminho para uma compreensão mais profunda da vida pré-histórica e das transições que permitiram a evolução dos invertebrados, destacando a importância da Paleontologia na exploração dos princípios fundamentais que regem a vida na Terra.