A questão das reparações pelo tráfico transatlântico de escravos se tornou um tema central e controverso que promete dominar as discussões na reunião dos líderes da Commonwealth, que acontece em Samoa. Este encontro, que reúne chefes de governo de 56 países membros, contará com a presença do Rei Charles III e do Primeiro-Ministro do Reino Unido, Keir Starmer. Ambos os líderes se preparam para uma conversa intensa a respeito de um passado marcante e doloroso que ainda reverbera nas sociedades contemporâneas. A importância deste debate não pode ser subestimada, uma vez que as repercussões da escravidão ainda impactam inúmeras comunidades e países até os dias de hoje.
No início de sua viagem ao Pacífico, Starmer enfatizou a importância de olhar para o futuro, mas ao mesmo tempo reconheceu que a questão das reparações não deve ser ignorada. Ele afirmou: “Conversas sobre os desafios que enfrentamos na atualidade, como a mudança climática, são fundamentais, mas não podemos esquecer as cicatrizes do passado”. Este reconhecimento é um passo importante dentro do contexto da relação do Reino Unido com sua história colonial, onde entre 1640 e 1807, aproximadamente 3,1 milhões de africanos foram forçados a deixar suas terras natal, parte deles para trabalhar em plantações de açúcar nas colônias caribenhas, conforme dados da Historic England.
Apesar das crescentes pressões e do aumento da consciência sobre as injustiças passadas, os governos britânicos sucessivos têm resistido a fazer um pedido formal de desculpas ou a discutir de forma concreta a possibilidade de reparações. Um estudo de 2023 realizado pelo Brattle Group revelou que o Reino Unido poderia ser responsabilizado a pagar cerca de 24 trilhões de dólares a 14 países, uma quantia que ultrapassa em muito o PIB britânico e que torna a discussão ainda mais complexa. Essa soma exorbitante ilustra a gravidade da dívida histórica que está nas raízes do colonialismo britânico.
O momento também é propício, já que o encontro da Commonwealth, conhecido como CHOGM, é realizado a cada dois anos e se torna um fórum adequado para discutir temas que envolvem justiça social e compensação histórica. O Rei Charles III, que chegou a Apia na quarta-feira, se tornará o anfitrião oficial da cúpula, trazendo consigo um novo tom conciliatório ao abordar os erros do passado. Durante uma visita ao Quênia no ano passado, ele expressou seu “grande pesar e profunda tristeza” pelos horrores da escravidão, em uma tentativa de abrir espaço para um diálogo mais honesto e construtivo sobre o legado colonial britânico. O rei ressaltou: “Esta é uma conversa cujo tempo chegou. Excelências, conversas começam com ouvir.”
Apesar do tom reformista adotado pela monarquia britânica, a hesitação em se comprometer com um pedido formal de desculpas persiste. Isso ocorre, pois a condição do Rei Charles III como chefe de estado implica em manter-se alinhado à posição do governo britânico, que se mostrou reticente em aceitar qualquer tipo de responsabilidade histórica que possa abrir caminho para solicitações de reparações financeiras. Essa realidade torna o debate ainda mais delicado, uma vez que a formalização de um pedido de desculpas poderia ser vista como um passo em direção a uma possível restituição, uma questão que muitos na esfera política do Reino Unido não estão dispostos a considerar.
Nos próximos dias, o clima promete ser aquecido, com o tema da reparação potentemente presente nas discussões da Commonwealth. Além disso, a cúpula também terá a escolha de um novo secretário-geral, com todos os candidatos expressando apoio à ideia de reparações. As vozes que clamam por justiça e reparação pelo genocídio cultural e econômico causado pela escravidão estão se tornando cada vez mais intensas, e o fato de tais debates estarem ocorrendo em uma plataforma internacional como a Commonwealth demonstra a urgência e a necessidade de uma reflexão coletiva sobre o passado colonial.
À medida que a cúpula avança, fica claro que o legado do colonialismo é uma questão que não pode ser ignorada. Demarcar os limites entre o dever de memória e a responsabilidade atual é um desafio que as nações da Commonwealth devem enfrentar, especialmente quando o consenso entre líderes se torna essencial para iniciar um processo de cura e reconciliação. O futuro dos relacionamentos entre as nações da Commonwealth pode depender da disposição para enfrentar o passado e ativar diálogos significativos em busca de justiça.