A vice-presidente Kamala Harris participou de um town hall da CNN, mediado por Anderson Cooper, na noite de quarta-feira, no estado crucial da Pensilvânia, onde interagiu diretamente com eleitores indecisos a apenas duas semanas do Dia da Eleição. A situação política americana demanda uma análise crítica não apenas das opiniões apresentadas, mas também dos dados que as sustentam. Sem a presença do ex-presidente Donald Trump, que foi convidado mas decidiu não comparecer, a vice-presidente teve a oportunidade de abordar uma série de questões que refletem as divisões políticas atuais nos Estados Unidos. A seguir, fazemos uma análise das declarações da vice-presidente durante o evento, revelando a necessidade de distinguir entre relatos políticos e realidades econômicas.
A análise das propostas de tarifas de Trump e suas repercussões
Durante o evento, Harris afirmou que o ex-presidente Donald Trump propõe a implementação de um “imposto sobre vendas nacional de pelo menos 20% sobre bens e produtos essenciais”, o que resultaria em um custo adicional de aproximadamente US$ 4.000 por ano para os consumidores americanos. Ao examinar essa afirmação, a realidade é mais complexa. Harris referiu-se à proposta de Trump de impor novas tarifas caso ele retorne ao cargo. Trump tem repetidamente afirmado que pretende estabelecer uma tarifa padrão de 10% ou 20% sobre todas as importações para os Estados Unidos e, caso isso aconteça, os custos poderiam, de fato, aumentar consideravelmente para as famílias de classe média, como indicado em relatórios do Center for American Progress Action Fund. Esses dados sugerem que a implementação de uma tarifa de 20% resultaria em um aumento anual de impostos de cerca de US$ 3.900 para uma família típica de classe média. Contudo, se a tarifa fosse reduzida para 10%, o impacto poderia ser de aproximadamente US$ 2.500, um valor ainda significativo em um orçamento familiar já apertado.
A postura de Harris sobre o fraturamento hidráulico e suas contradições
No debate, Kamala Harris assegurou que não tinha intenção de proibir o fraturamento hidráulico, uma técnica de extração de petróleo e gás. Ela enfatizou que sua posição estava alinhada com a do presidente Joe Biden, afirmando que “Joe Biden não vai acabar com o fraturamento”. Essa declaração merece revisão, pois, durante a campanha presidencial de 2020, Harris alterou sua posição. Enquanto na primária democrática de 2019, ela se posicionou a favor da proibição do fraturamento, nas eleições gerais de 2020, sua retórica mudou para alinhar-se mais estreitamente à plataforma de Biden. Essa oscilação entre posições levanta questionamentos sobre a clareza e a consistência em sua retórica política, evidenciando uma tática comum em ambientes políticos polarizados.
As alegações sobre a construção do muro na fronteira com o México
Em uma das trocas mais notáveis com Anderson Cooper, Harris alegou que “apenas 2%” do muro na fronteira dos EUA com o México foi construído durante a administração Trump. Essa afirmação, enquanto possui um núcleo verdadeiro, também é imprecisa. De acordo com um relatório de 2021 da U.S. Customs and Border Protection e do Army Corps of Engineers, construção de cerca de 52 milhas de “nova parede primária” ocorreu durante o mandato de Trump. Ao avaliar o que significa de fato a construção do muro, é crucial entender que os números apresentados refletem apenas uma parte do compromisso de Trump de construir um muro ao longo de toda a extensão da fronteira, que é de aproximadamente 2.000 milhas. Portanto, embora o percentual possa parecer pequeno, ele não captura a totalidade da iniciativa e dos esforços realizados durante a presidência de Trump.
A questão dos cortes de impostos e a desigualdade resultante
Por fim, Harris criticou Trump por oferecer cortes de impostos que, segundo ela, beneficiaram os mais ricos. Embora os cortes de impostos promulgados em 2017, de fato, tenham favorecido ostentivamente os mais ricos, é essencial reconhecer o contexto. De acordo com o Tax Policy Center, o ato reduziu impostos para a maioria dos grupos de renda. No entanto, a análise mostrou que mais de 60% dos benefícios foram destinados a aqueles situados no topo da pirâmide econômica. Para os que ganham entre US$ 500.000 e US$ 1 milhão, espera-se que o corte médio alcançasse cerca de US$ 21.000, o que levantaria suas rendas líquidas em 4,3%. Portanto, ao criticar essas políticas, é fundamental considerar tanto as implicações imediatas quanto as consequências de longo prazo para a estrutura econômica e social dos Estados Unidos.
Reflexão final sobre a importância da veracidade e do fact-checking
O evento promovido pela CNN expôs as nuances e complexidades das discussões políticas contemporâneas. Em um tempo de desinformação e polarização, a importância do fact-checking não poderia ser mais evidenciada. O público americano, que está em vias de decidir seu próximo líder, merece um debate transparente e fundamentado, equacionando as promessas feitas com as realidades econômicas e sociais. Portanto, ao avaliarmos as afirmações feitas por figuras públicas, é essencial ir além do discurso e buscar a verdade por trás dos números e declarações, promovendo uma cidadania mais informada.