Um estudo recente conduzido em laboratório por uma equipe de pesquisa liderada por Pengda Liu, PhD, revelou uma nova função biológica da molécula 2’3’-cGAMP na regulação da migração celular e na metástase do câncer. Essa pesquisa também trouxe novas informações sobre o papel dos medicamentos que bloqueiam a migração celular, como os estatinas, que podem impactar diretamente as terapias contra o câncer e a formação de tumores. O estudo, publicado na revista Science Advances, marca uma importante contribuição para a compreensão dos mecanismos bioquímicos que afetam tanto o sistema imunológico quanto o comportamento das células cancerígenas.
A resposta imunológica inata do corpo é a primeira linha de defesa contra infecções, realizando uma complexa operação que envolve barreiras físicas e químicas, além de uma variedade de células brancas especializadas. A regulação deste processo ocorre em um nível bioquímico até microscópico, mediado por enzimas e proteínas que desempenham papéis cruciais. Entre essas, a enzima chamada ciclico GMP-AMP sintase (cGAS) atua como um despertador da resposta imunológica. Quando o DNA de patógenos, como o vírus da herpes e a varicela, entra em contato com as células, a cGAS produz a molécula 2’3′-cGAMP. Essa molécula é fundamental para a ativação do sistema imunológico, pois se liga à proteína STING, que desencadeia a resposta imune inata do corpo. Entretanto, os pesquisadores, incluindo Liu e Yu Deng, PhD, da Escola de Medicina da UNC, estavam intrigados com a possibilidade de que o 2’3′-cGAMP pudesse interagir com proteínas além da STING, sugerindo a existência de outras funções celulares.
No recente estudo, a equipe liderada por Liu descobriu que o 2’3’-cGAMP interage com uma proteína pequena chamada Rab18, que é responsável pelo controle dos compartimentos especializados de armazenamento de lipídios dentro das células, conhecidos como gotículas lipídicas. A interação entre essas duas moléculas revela um caminho de sinalização até então desconhecido, o que pode ter implicações significativas no entendimento da migração celular e na metástase tumoral. Liu destacou que os resultados da pesquisa não apenas acrescentam conhecimento à função do 2’3’-cGAMP como desencadeador de defesa imune contra tumores, mas também sugerem que esta molécula poderia ativar a via de sinalização Rab18/FosB, que não é tão estudada. Essa via pode facilitar a migração celular e, potencialmente, a metástase do câncer, o que fornece uma nova perspectiva sobre as terapias que envolvem o 2’3′-cGAMP.
O laboratório de Liu identificou a nova proteína que se liga ao 2’3′-cGAMP, a Rab18, utilizando análises proteicas de células e simulações estruturais. A confirmação de que o 2’3′-cGAMP se liga diretamente à Rab18 foi um passo fundamental. Os pesquisadores também observaram que a Rab18 auxilia na migração celular pelo corpo, o que implica que uma migração celular desregulada através do 2’3′-cGAMP pode facilitar a propagação das células cancerígenas, formando metástases em partes distantes do corpo. Ao investigar a ativação da Rab18 induzida pelo 2’3′-cGAMP, os pesquisadores descobriram que ela também ativa a FosB, outra proteína envolvida na regulação da migração celular. Essa intersecção de funções entre o 2’3′-cGAMP, a Rab18 e a FosB delineia um novo caminho de sinalização importante para a migração celular e a metástase tumoral.
Adicionalmente, a equipe de pesquisa determinou que doses baixas de agentes quimioterápicos, como a doxorrubicina, podem ativar a cGAS, levando à produção de 2’3′-cGAMP e, consequentemente, à migração celular mediada pela FosB. No entanto, os pesquisadores também se debruçaram sobre a possibilidade de que os efeitos pro-metastáticos do 2’3’-cGAMP pudessem ser moderados por lovastatina ou outras estatinas, que são medicamentos utilizados para baixar os níveis de colesterol. Essa descoberta é particularmente significativa, pois sugere que, além de suas funções convencionalmente reconhecidas, as estatinas podem oferecer uma proteção adicional contra a migração celular descontrolada induzida pelo 2’3′-cGAMP e, por consequência, contra a metástase cancerígena.
Como continuidade das investigações, o laboratório de Liu está atualmente focado na busca pela estrutura real do complexo 2’3′-cGAMP/Rab18, buscando além de simulações estruturais. A equipe está interessada em entender se o 2’3′-cGAMP pode reconhecer diferentes parceiros proteicos por meio de diversos mecanismos. Além disso, os pesquisadores pretendem continuar sua busca por proteínas adicionais que possam se ligar ao 2’3′-cGAMP, aprofundando assim o conhecimento sobre as múltiplas funções dessa molécula em processos patológicos, incluindo a progressão tumoral.