Recentemente, um livro fascinante intitulado “The Story of British Propaganda Film”, lançado pela Bloomsbury Publishing, começou a chamar a atenção não apenas dos amantes do cinema, mas também daqueles que têm interesse profundo na intersecção entre cultura e política. Escrito por Scott Anthony, atual vice-chefe de pesquisa no U.K. Science Museum Group, esta obra faz parte da renomada série British Screen Stories do British Film Institute (BFI). Ao longo deste livro, Anthony explora como a propaganda se tornou um elemento central no desenvolvimento do cinema britânico e, subsequentemente, na moldagem da compreensão histórica moderna da Grã-Bretanha, capaz de provocar reflexões que vão muito além do que imaginamos.
A primeira grande revelação trazida por Anthony é que a expressão “filme de propaganda” normalmente evoca a ideia de narrativas relacionadas à guerra, especialmente durante as duas grandes guerras mundiais. No entanto, o autor destaca que essa noção de propaganda não se limitou a esse período histórico, ressaltando o fato de que, desde então, a propaganda evoluiu e se transformou em “uma ferramenta para embalar nosso patrimônio cultural, promover o turismo e transformar a cultura britânica”. Essa afirmação desafia a concepção de que a propaganda sempre é intrinsecamente falsa ou desonesta; pelo contrário, ela pode servir como um meio de destacar aspectos da cultura e, assim, atuar efetivamente como uma forma de poder brando.
Os exemplos concretos apresentados no livro são intrigantes. Anthony analisa clássicos do cinema de propaganda, como “The Battle of the Somme” (1916) e “Animal Farm” (1954), e usa essas obras para ilustrar como práticas de propaganda se moldaram e, em contrapartida, como o cinema também desempenhou um papel crucial na veiculação dessas mensagens. Ao mesmo tempo, ele se debruça sobre franquias cinematográficas icônicas como James Bond, Harry Potter e Paddington, destacando como essas narrativas e personagens contribuem para o desenvolvimento da identidade cultural britânica nos dias atuais.
Em uma era onde fake news e desinformação se tornaram comuns, Anthony argumenta que a resposta frequente à onipresença da propaganda cinematográfica tem sido a produção de ainda mais filmes de propaganda, descrevendo-nos o que ele denomina de “era da propaganda total”. Este conceito se desdobra em três fases distintas do cinema de propaganda britânico. A primeira fase é marcada pela produção de filmes durante a Segunda Guerra Mundial, que buscavam moldar a percepção pública em relação a eventos traumáticos. Nesta época, a produção cinematográfica era extensa e voltada para representar e processar experiências coletivas, sendo exibidos em vários espaços públicos, como cantinas e acomodações militares.
Na segunda fase, que surge com o início da Guerra Fria, a ineficácia da propaganda se tornou evidente, sendo percebida como algo que apenas os “outros” – ou seja, União Soviética e sociedades totalitárias – realizavam. Nessa época, a produção cinematográfica tentava disfarçar seu caráter de propaganda, especialmente no formato televisivo, explorando narrativas mais sutis sobre individualismo e resistência à conformidade. Essa abordagem visou criar uma imagem menos explícita de propaganda, mas que, de maneira sutil, ainda procurava transmitir mensagens de cunho ideológico.
A terceira fase, que reflete o mundo pós-Guerra ao Terror, revela uma transformação radical nas definições de “filmes”. Anthony nota que a proliferação de mídias digitais não se restringe mais a filmes convencionais; agora, muitos conteúdos são projetados para serem compartilhados, recortados e remixados nas redes sociais. Esta redefinição da propaganda abre discussões sobre como a audiência é moldada em um ambiente de informação que cada vez mais se torna circular e interconectado, com referências constantes entre diferentes mídias digitais.
No panorama atual, caracterizado pela rapidez da tecnologia e pela facilidade de produção de conteúdo, o autor ressalta que a propaganda não necessariamente envolve mentiras ou enganos, mas reflete um esforço intenso para configurar um ambiente informacional que molda opiniões e crenças. Isso sugere uma irrevogável fusão entre a narrativa cinematográfica e as estratégias de comunicação contemporâneas que buscam criar uma imagem coesa do que representa a Grã-Bretanha no cenário global.
O livro não apenas ressalta a importância da propaganda no cinema britânico, mas também levanta questões sobre a identidade e a representação cultural na era moderna. Por meio de suas observações sobre o impacto da monarquia e a utilização das franquias do cinema como ferramentas de influência cultural, Scott Anthony apresenta um estudo muito mais profundo do que um simples laboratório da história cinematográfica. Ele explora as complexidades da cultura britânica na era digital, provocando reflexões que podem inspirar especialistas, cineastas e até mesmo o público em geral. Com isso, fica evidente que a relação histórica entre o cinema e a propaganda é rica, multifacetada e, sem dúvida, pertinente às discussões atuais sobre comunicação e representação cultural.
O livro “The Story of British Propaganda Film” não é apenas uma leitura didática; é um convite para entender melhor como os filmes moldam não apenas a nossa percepção da história, mas também influenciam o modo como vemos o mundo contemporâneo. Assim, ao pegar um copo de pipoca e se acomodar no sofá para assistir a um bom filme, talvez seja hora de refletir sobre as narrativas que estamos consumindo e qual mensagem verdadeira elas carregam. Você já parou para pensar quais histórias estão sendo contadas e como elas impactam sua visão de mundo? Esta é a essência do que Scott Anthony nos convida a considerar, oferecendo uma leitura essencial para quem busca entender a intersecção entre arte, propaganda e história cinematográfica.