A vida em Gaza tem se tornado um campo de batalha não apenas para aqueles que enfrentam a conta crescente de vidas perdidas, mas também para aqueles que usam a arte como uma forma de resistência e resiliência. Mosab Abu Toha, um poeta palestino que recentemente deixou sua terra natal, está entre os que utilizam a palavra como uma ferramenta não apenas para a expressão pessoal, mas como um meio de dar voz aos que não podem mais falar. Sua nova obra, “Forest of Noise”, lançada em inglês, apresenta uma coletânea de poemas que capturam as histórias de vida de um povo que anseia por amor e beleza em circunstâncias insuportáveis, mas que também lida com a dor e a perda. Em entrevista, ele revela como suas experiências moldaram seu trabalho e a urgência de contar essas histórias mesmo sob a constante sombra do sofrimento.

Transformando a Dor em Arte: A Perspectiva de um Sobrevivente

Com uma voz suave e melódica, Abu Toha compartilha suas reflexões sobre o que significa viver em Gaza e sua luta pessoal para criar após ter sido deslocado. “Estamos respirando por fora, mas por dentro, não estamos,” ele expressa, ilustrando a ideia de que a fragilidade da existência humana é muitas vezes ofuscada pela brutalidade do contexto em que se vive. O desejo por beleza e vida simples, como ver o pôr do sol ou ouvir o mar, foi destruído para muitos em Gaza devido à guerra entre Israel e Hamas, que começou após os ataques do grupo em 7 de outubro. Abu Toha, que era professor e bibliotecário, teve que fugir de Gaza com sua família, uma jornada complicada e repleta de dificuldades, mas que também lhe deu a oportunidade de se dedicar à arte, mesmo enquanto as bombardeios ocorriam a seu redor.

Após várias relocações dentro da Faixa de Gaza e tendo um filho que nasceu nos Estados Unidos – o que lhe garantiu uma cidadania que facilitou sua saída do enclave em crise – Abu Toha se estabeleceu em Nova York. Essa mudança foi um alívio em meio ao caos, mas a memória do que deixou para trás ainda pesa em seu coração. Em seu mais recente livro, ele reflete não apenas sobre suas experiências, mas também sobre as de sua comunidade, enfatizando que, embora a dor de escrever seja imensa, é um ato necessário de lembrança e resistência.

Memórias e o Impacto do Conflito na Criança Interna

Abu Toha fala sobre o ininterrupto “zumbido” dos drones que assombra sua memória, uma realidade vivida em Gaza onde ataques aéreos e sirenes de ambulâncias ocorrem a cada momento. “Não me lembro de viver um dia sem ouvir os drones zumbindo,” ele diz, revelando a intensidade do trauma coletivo que muitos compartilham. A arte não é apenas uma forma de expressão pessoal, mas uma maneira de manter viva a memória de aqueles que não sobreviveram. Em seu trabalho, ele tenta captar a essência dessas narrativas, oferecendo uma forma de homenagem aos que pereceram e um meio de conexão com o público global.

O poeta também expressa a dificuldade de transmitir a brutalidade da situação em Gaza para seus filhos. “Mesmo que eles entendam, isso não os ajuda,” diz Abu Toha, ressaltando que o mais importante é que o mundo fora de Gaza tome consciência da realidade vivida por aqueles que ficaram. Seu desgosto por como as políticas dos EUA e do Ocidente tratam o conflito se torna evidente conforme ele compartilha a história de seu filho, que confundiu nuvens com fumaça de bombas. Para ele, a arte é um chamado à ação, uma súplica de que as histórias dos que sofreram sejam ouvidas e que a compaixão se transforme em ação concreta.

A Luta Para Preservar Memórias em Tempos de Destruição

Abu Toha também menciona a perda devastadora que sua família enfrentou, com 31 membros perdidos em caos e destruição, um número que não para de crescer diante da violência contínua. A tragédia pessoal o leva a questionar: “Por que não podiam interromper a carnificina em Gaza que afeta, principalmente, as crianças?” O poeta deixa claro que, enquanto isso, seu coração se angustia pela constante incerteza sobre a segurança de seus familiares restantes em Gaza, onde sua mãe e irmãos ainda residem sob as ameaças de novos ataques. “Deus me livre, se eu perder qualquer um dos meus familiares, não poderei me despedir,” relata, revelando o medo palpável que acompanha cada dia em Gaza.

Enquanto compartilha detalhes íntimos e dolorosos de sua vida, Mosab Abu Toha nos lembra que sua luta não é apenas pessoal, mas coletiva. “Isso é o que significa ser de Gaza,” conclui ele, sua expressão uma mistura de dor e determinação. Neste contexto, seu trabalho se transforma em uma poderosa ferramenta de resistência, uma ponte entre as experiências vividas no coração do conflito e a necessidade urgente de ação e mudança em um mundo que muitas vezes parece alheio ao sofrimento de um povo.

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