A recente controvérsia envolvendo o Los Angeles Times trouxe à tona um choque entre a direção editorial do jornal e a opinião da família Soon-Shiong, proprietária do veículo. Nika Soon-Shiong, filha do bilionário Patrick Soon-Shiong, afirmou que a decisão de não endossar a candidatura da vice-presidente Kamala Harris nas próximas eleições presidenciais está ligada ao apoio de Harris à guerra em Gaza, gerando uma onda de reações tanto internamente quanto externamente ao jornal. No último sábado, Nika, uma ativista de 31 anos sem papel oficial na organização e que já foi acusada de interferir na cobertura do jornal, revelou sua perspectiva sobre a delicada situação.
A decisão de bloquear o endosse à Harris ocorreu em um momento particularmente turbulento, em meio a um cenário internacional marcado pela escalada do conflito em Gaza. Nika Soon-Shiong, ao explicar a posição da família, ressaltou as experiências vividas por eles durante o apartheid na África do Sul e expressou que a negação do endosse foi uma maneira de rechaçar as justificativas para o que caracteriza como genocídio e a guerra contra crianças, enfatizando a responsabilidade do jornal em condenar esses atos. “Como cidadão de um país que financia abertamente o genocídio, e como uma família que enfrentou o apartheid, esta é uma oportunidade de repudiar a ampla perseguição de jornalistas e a contínua guerra contra crianças”, declarou Nika em entrevista ao The New York Times.
No entanto, a reação de seu pai, Patrick, foi rápida e contundente. Após as declarações de Nika, ele emitiu uma declaração à CNN, onde afirmou que sua filha não teve envolvimento na decisão, ressaltando que “Nika fala em sua própria capacidade pessoal e não tem qualquer papel no Los Angeles Times”, reafirmando a separação entre sua opinião e a postura editorial do jornal. A discordância familiar sobre a questão levanta um debate mais amplo sobre a liberdade de expressão e a influência familiar nos meios de comunicação em um ambiente polarizado.
O Los Angeles Times não endossa um candidato desde que apoiou Barack Obama em 2008, e a decisão de agora abster-se de apoiar Harris gerou indignação entre os leitores e adesões de cancelamento de assinaturas em um volume considerável. Três membros da equipe editorial, incluindo Mariel Garza, a líder do conselho editorial, apresentaram suas renúncias como resposta ao bloqueio e à falta de comunicação em relação à decisão. Garza trouxe à luz a falta de transparência e comunicou que se a razão por trás do bloqueio estivesse relacionada ao contexto do Gaza, um problema de tamanha magnitude não foi adequadamente discutido com a equipe editorial: “Se o objetivo da família era repudiar as justificativas para as atrocidades, permanecer em silêncio não trouxe qualquer resultado”, afirmou.
Um dia após a polêmica ganhar força, Nika também se manifestou sobre o “caos e confusão” em torno da recusa em endossar um candidato presidencial, deixando claro que esse não é um apoio a Donald Trump, mas uma recusa em apoiar uma candidata que, segundo ela, “supervisiona uma guerra contra crianças”. Suas palavras intensificaram o debate sobre a ética jornalística e a responsabilidade dos veículos de comunicação diante de crises globais.
A reviravolta no Los Angeles Times não é um fenômeno isolado. O Washington Post, também em uma decisão inesperada, anunciou que não endossará um candidato nas próximas eleições presidenciais, uma medida igualmente determinada pelo seu proprietário, Jeff Bezos. Os críticos desconfiam que tais posturas, adotadas a tão poucos dias das eleições, carecem de um fundamento ético genuíno e despertam questionamentos sobre a verdadeira motivação por trás da decisão.
A impressão que permanece é a de que a intersecção entre política, ética e liberdade de imprensa se tornou mais complexa do que nunca. À medida que os meios de comunicação discutem sua responsabilidade em tempos de crise, a opinião pública é desafiada a refletir sobre o papel que essas entidades devem desempenhar na formação da sociedade e como lidam com suas responsabilidades sociais. Em tempos de tumulto, o que nos resta é um convite à reflexão crítica sobre o que lemos e como isso molda nossas convicções.