O crescimento incessante e acelerado dos requisitos computacionais associados à inteligência artificial (IA) poderá resultar em um acúmulo de lixo eletrônico equivalente à destruição de mais de 10 bilhões de smartphones por ano até o final da década. Essa previsão foi feita por especialistas em um estudo publicado na revista científica Nature, elaborado por pesquisadores da Universidade de Cambridge e da Academia Chinesa de Ciências. O objetivo da pesquisa não é desestimular a adoção dessa tecnologia inovadora, que é considerada promissora e praticamente inevitável, mas sim, preparar o mundo para os desafios tangíveis decorrentes do seu crescimento veloz e exponencial.

A transformação digital e a ascensão da IA trouxeram um foco especial nas questões de consumo de energia, que já estão em jogo e têm sido analisadas detalhadamente. Contudo, os materiais físicos utilizados no ciclo de vida desses equipamentos e o fluxo de resíduos oriundos de equipamentos eletrônicos obsoletos têm recebido menos atenção do que deveriam. Assim, os pesquisadores iniciaram o estudo com o intuito de elaborar estimativas brutas que destacam a escala do problema que está por vir, além de explorar soluções potenciais para uma economia circular dentro deste contexto. “Não se trata de prever com precisão a quantidade de servidores de IA e seu respectivo lixo eletrônico, mas de proporcionar estimativas iniciais que ajudem a entender a extensão do desafio que nos aguarda”, explicam os especialistas.

Por se tratar de uma indústria em rápida evolução e mudanças imprevisíveis, a tarefa de prever as consequências colaterais é própria para aqueles que se arriscam a adentrar essa empreitada. No entanto, mesmo que não se busque uma precisão percentual absoluta, é vital compreender a magnitude do problema. Estaremos falando de dezenas de milhares de toneladas de lixo eletrônico, centenas de milhares, ou até mesmo milhões? Segundo as estimativas dos pesquisadores, é bem provável que estejamos nos aproximando da parte mais alta desse espectro.

Os pesquisadores simularam diversos cenários, considerando taxas de crescimento baixas, médias e altas, além do tipo de recursos computacionais necessários para manter esta expansão e a durabilidade dos mesmos. A descoberta mais impactante foi que a quantidade de lixo eletrônico pode aumentar em até mil vezes até 2030, passando de aproximadamente 2,6 mil toneladas em 2023 para uma faixa de 0,4 a 2,5 milhões de toneladas anuais. Essa análise não é apenas teórica, visto que reflete a realidade do que discutimos em relação ao avanço da IA e ao impacto que sua infraestrutura pode causar.

Porém, é relevante reconhecer que considerar 2023 como um ponto de partida pode ser, em certa medida, enganoso. A grande maioria da infraestrutura computacional foi implantada nos últimos dois anos, o que significa que a emergência de 2,6 mil toneladas de resíduos não inclui as estruturas que começaram a operar nesse período. Por outro lado, esse mesmo dado é um reflexo da quantidade aproximada de lixo eletrônico antes e depois do surgimento do boom da IA generativa. A expectativa é que nos próximos anos, haja um aumento significativo na quantidade de resíduos após a primeira grande infraestrutura chegar ao fim de sua vida útil.

Existem diversas estratégias que podem amenizar este impacto, as quais os pesquisadores delinearam de maneira preliminar. Entre as sugestões, está o downcycling de servidores ao fim de sua vida útil, ao invés de simplesmente descartá-los. Componentes como sistemas de comunicação e fornecimento de energia também podem ser reaproveitados em outras aplicações. Melhorias na eficiência do software podem contribuir para a extensão da vida útil de uma geração específica de chips ou tipos de GPUs. Curiosamente, os pesquisadores defendem a atualização para chips mais recentes assim que possível, uma vez que, caso contrário, uma empresa pode acabar tendo que adquirir dois GPUs mais lentos para executar o trabalho equivalente a um único de alta performance, o que resultaria em um aumento significativo e acelerado de resíduos gerados.

As medidas mitigadoras sugeridas podem reduzir a carga de resíduos gerados em uma faixa que varia de 16% a 86%, uma amplitude considerável. Porém, a incerteza não está tanto na eficácia dessas medidas, e sim na sua adoção e no quanto elas de fato serão implementadas. Se cada H100 conseguir uma nova vida em um servidor de baixo custo em alguma universidade, isso aliviaria bem o problema; no entanto, se apenas um em cada dez equipamentos receber esse tratamento, a situação se torna muito mais grave. Destarte, os pesquisadores enfatizam que alcançar a estimativa mais baixa de resíduos ou a mais alta é uma escolha que depende das ações que forem tomadas no presente – não um destino inevitável.

Diante de todas essas informações, fica claro que a ascensão das tecnologias de IA traz não apenas oportunidades, mas também desafios significativos que precisam ser enfrentados com urgência e responsabilidade. Como sociedade, é fundamental que abordemos essas questões com a devida seriedade para garantir um futuro sustentável e responsável em meio a um crescimento tecnológico desenfreado.

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