A revolução digital traz consigo inovações empolgantes, mas também desafios imensos, especialmente no que diz respeito à veracidade do conteúdo disponível na internet. Em um cenário marcado pela crescente prevalência de deepfakes e evidências manipuladas, uma nova startup chamada ForceField surge como uma proposta promissora para combater essa problemática. Apresentando sua inovadora tecnologia no palco do TechCrunch Disrupt 2024, a ForceField lançou a primeira de uma série de APIs, denominadas MARQ, cuja principal função é autenticar conteúdos digitais. No contexto atual, onde um relatório da Europol de 2022 prevê que até 90% de todo o conteúdo online será gerado por inteligência artificial até 2026, a demanda por soluções que garantam a autenticidade de informações se torna ainda mais crucial.

O aumento do conteúdo manipulado na internet, que já afeta diversas plataformas digitais, pressionou grandes empresas de tecnologia a desenvolverem ferramentas para enfrentar essa questão. Por exemplo, o Google anunciou recentemente que começará a sinalizar imagens geradas por inteligência artificial em seu mecanismo de busca. Essa iniciativa segue os passos do Meta, que implementa uma estratégia semelhante no Facebook e Instagram, embora com uma precisão questionável. Por sua vez, o YouTube agora permite que os usuários solicitem a remoção de conteúdos que simulem seus rostos ou vozes. Com a persistência do problema de “conteúdo falso”, uma série de startups, como Clarity, Reality Defender e Truepic, têm surgido para abordar a questão por diferentes meios, solidificando uma frente de combate às informações fraudulentas. No entanto, a ForceField adota uma abordagem singular, enfocando o nível do dispositivo em vez do conteúdo em si, levando em consideração qualquer fluxo de dados que utilize sua tecnologia.

O primeiro produto da ForceField, chamado HashMarq, é projetado para verificar a autenticidade de submissões de conteúdo, conferindo a elas um selo de veracidade. Diferente de técnicas indiretas, como inteligência artificial adversarial ou marcas d’água, a tecnologia estabelece uma “cadeia de custódia” para determinar a proveniência da informação ao checar se um dado específico foi alterado. Essa verificação é realizada através da análise do metadado proveniente dos fluxos de dados e dispositivos conectados. A tecnologia se baseia em princípios de blockchain, embora a fundadora e CEO da ForceField, MC Spano, enfatize que a startup não é uma empresa “web3”. Spano deixa claro que estão aproveitando a blockchain de maneira prática e objetiva, através de contratos inteligentes que garantem segurança, transparência e imutabilidade na autenticação de vídeos, fotos, arquivos de áudio e outros dados coletados, independentemente da fonte.

Esses “contratos inteligentes” são armazenados na blockchain, embora a ForceField não revele qual rede está utilizando, garantindo, portanto, sua segurança contra alterações. O acesso à tecnologia é disponibilizado a clientes corporativos por meio de uma API ou SDK que podem ser integrados em suas próprias aplicações, conferindo ao HashMarq a função de um certificado digital de autenticidade. Com uma visão voltada para a integridade da informação, Spano afirma que está criando tecnologia para “os bons”, prevendo que o mercado, que inclui governos, empresas e indivíduos, precisará demonstrar a veracidade do que está sendo produzido e compartilhado.

Mas, afinal, como a tecnologia da ForceField determina a veracidade de um ativo? Segundo Spano, eles analisam cerca de 90 pontos de verificação, embora detalhes específicos não possam ser revelados. Entre esses pontos, estão a inteligência geoespacial relacionada ao dispositivo no momento da coleta, os sinais do ambiente, outros dispositivos conectados e até mesmo a janela temporal entre a coleta e a submissão do dado. Essas informações podem fornecer aos jornalistas, organizações de notícias e autoridades policiais um contexto muito mais rico e detalhado do que teriam à disposição, incluindo a localização geográfica precisa.

Embora a ForceField tenha sido oficialmente fundada em 2021, Spano compartilha que a ideia para o produto começou em 2018, após uma experiência traumática em que ela foi agredida em Nova York. A jornada para conseguir obter as evidências necessárias para o devido processo legal foi repleta de obstáculos. Consciente de que câmeras estavam disponíveis para registrar o ocorrido, Spano se deparou com a dificuldade de acessar as gravações sem a devida proporção legal, necessitando recorrer ao proprietário do equipamento para obter as imagens. Ao enviar uma gravação feita com seu celular para a polícia, foi informada de que a evidência não era admissível. Esse evento a fez perceber que a luta por justiça inicia-se muito antes da chegada a um tribunal.

O conceito por trás da ForceField se torna ainda mais pertinente na era da inteligência artificial generativa, onde qualquer pessoa com um computador pode criar “evidências” que aparentam ser reais, mas que em essência são enganosas. A startup está em seus estágios iniciais, mas já está desenvolvendo um selo de prova de conceito (PoC) com a gigante de seguros Erie, além de ter firmado cartas de intenção com mais três clientes, visando finalizar esse projeto e lançar seu produto comercialmente até o primeiro trimestre de 2025. A expectativa é que o setor de seguros seja um dos principais mercados de atuação inicial da ForceField, mas com o crescimento da inteligência artificial e a facilidade de produzir conteúdo que pareça autêntico, as aplicações dessa tecnologia são praticamente ilimitadas. Um jornalista cidadão, por exemplo, que capta um vídeo com seu dispositivo móvel poderá enviá-lo a uma emissora de notícias, que integrará a API da ForceField para verificar a autenticidade da informação. Da mesma forma, as forças policiais poderão utilizar essa tecnologia para validar as submissões feitas por testemunhas ou vítimas.

No que diz respeito ao financiamento, a empresa foi inicialmente sustentada por um mix de autofinanciamento, providenciado por Spano por meio da venda de sua empresa anterior, e capital obtido de investidores-anjo, incluindo a atriz Debra Messing, além de Wilfredo Fernandez, chefe de assuntos governamentais da plataforma X e um olheiro da firma de capital de risco Lightspeed. Além disso, a ForceField participou do programa Techstars no ano passado e acaba de receber financiamento institucional através de um investimento estratégico da Erie Insurance. Com vistas ao futuro, Spano expressa a esperança de fechar uma rodada de investimento angelical até o final do ano e destaca com orgulho que a ForceField é uma empresa liderada exclusivamente por mulheres em um setor majoritariamente masculino. Ao comentar sobre essa desigualdade, Spano compartilha que é uma grande questão a falta de investimento em equipes femininas solo, sendo ela a única mulher a desenvolver um tipo de tecnologia desse porte atualmente, ressaltando a importância de ter uma voz feminina direcionando a transparência e a verdade no cenário atual.

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