O Sudão do Sul, o país mais jovem do mundo, frequentemente não é associado ao futebol, mas sim ao basquete, onde já conta com várias figuras conhecidas deste esporte. Contudo, um novo e empolgante capítulo começa a se desenrolar neste cenário, onde a Liga Premier de Futebol para Cegos está emergindo como uma plataforma de transformação social e inclusão para pessoas com deficiências. Este campeonato inovador, que teve seu início em 2023, é um raríssimo exemplo de como o esporte pode mudar vidas, especialmente em uma nação que luta contra o estigma e a marginalização social.
A Liga Premier de Futebol para Cegos
A Liga Premier de Futebol para Cegos do Sudão do Sul, apoiada pela organização não governamental Light for the World, visa promover os direitos e a inclusão de pessoas com deficiência não apenas em seu país, mas também em diversas nações da África. Essa iniciativa é particularmente crucial em um contexto onde muitos enfrentam barreiras significativas, como a pobreza, a falta de educação e, principalmente, a discriminação. Com suas quatro equipes baseadas na capital Juba, a liga dá oportunidade a jovens que antes acreditavam não ter mais chances de praticar esportes. Entre os jogadores, a maioria está na faixa dos 20 anos, embora o mais novo tenha apenas 15 anos.
Jimmy Just Augustin, um dos jogadores e capitão do Kator Blind Football Club, é um exemplo vívido dessa transformação. Após perder a visão em 2012, ele ficou desiludido, imaginando que nunca mais jogaria futebol. Foi apenas em 2020 que ele redescobriu sua paixão, quando teve a chance de jogar futebol para cegos. Agora, conhecido como “Messi” por suas habilidades no drible, Augustin expressa sua gratidão pela nova vida que encontrou: “Com a deficiência, pode-se pensar que não somos nada, que somos inúteis. Mas agora, eu tenho amigos e a oportunidade de jogar novamente me faz muito feliz”, relata.
O Impacto na Vida dos Jogadores
Além de desempenhar um papel fundamental dentro das quatro linhas do campo, Augustin também é estudante da Universidade de Juba e um defensor ativo da inclusão de pessoas com deficiência nas escolas. O sentimento que ele compartilha é claro: “Uma deficiência não é uma incapacidade. Se você não consegue enxergar, isso não significa que você não pode fazer algo”. Essa mensagem de esperança e inclusão ressoa nas vozes de muitos jogadores da liga, que finalmente encontram um espaço onde podem se expressar e se integrar à sociedade.
A prática do futebol para cegos, ainda que suportada por regras ajustadas, apresenta suas complexidades. As partidas são jogadas por cinco jogadores, com um sistema de comunicação vital fornecido por um goleiro que pode enxergar, enquanto os outros são completamente cegos. A bola, que emite sons ao se mover, ajuda os jogadores a localizá-la durante os jogos, estabelecendo um ambiente onde o silêncio dos espectadores é fundamental para a concentração e interação.
Desafios e Progresso em Um Contexto Difícil
O Sudão do Sul, que se tornou independente em 2011, enfrentou desafios significativos, incluindo uma guerra civil que se desatou logo após sua independência e que formalmente chegou ao fim apenas em 2018. Apesar disso, a violência e as dificuldades ainda persistem. De acordo com dados da Agência da ONU para Refugiados, o país enfrenta uma violação grave dos Direitos Humanos e é considerado um dos países com pior índice de desenvolvimento humano. As dificuldades cotidianas tornam a experiência de jogadores como Augustin e Simon Madol ainda mais desafiadora, uma vez que muitos lidam com estigmas de incapacidade, além de barreiras físicas que dificultam a acessibilidade no trabalho e nas instituições educacionais.
Madol, que vive no campo para deslocados internos em Juba, afirma que as atitudes negativas são as maiores barreiras que as pessoas com deficiência enfrentam. “Ignorância é a raiz do problema. Muitas pessoas se afastam de praticar esportes por conta disso”, reflete. A liga, por sua vez, não apenas proporciona um espaço para a prática do esporte, mas desempenha um papel crucial na mudança de percepções. “Futebol é uma fonte de felicidade e alegria para mim”, diz Madol, que agora é treinador e facilitador de inclusão de pessoas com deficiência pela Light for the World.
Perspectivas Futuras e Sonhos em Construção
Com um ano de existência, a liga está determinada a expandir seus horizontes. Os organizadores aspiram a envolver equipes de todos os estados do Sudão do Sul e planejam registrar a liga na IBSA, com a intenção de participar do Campeonato Africano de Futebol Para Cegos em 2026. “Através do Mundial de Futebol para Cegos, quem sabe? Talvez em 2028 possamos participar dos Jogos Paraolímpicos”, diz Madol. Ele ressalta que as aspirações da liga agora não são mais sonhos, mas sim objetivos tangíveis. “Estávamos apenas sonhando, mas agora estamos trabalhando nisso”, conclui.
Os jogadores, como Augustin, compartilham do mesmo entusiasmo, expressando seu desejo de que o futebol para cegos não apenas exista no Sudão do Sul ou na África, mas que se torne uma prática reconhecida em todo o mundo. “Queremos que nossa geração atual de jogadores seja apenas o começo. Novas gerações devem se juntar a nós e continuar essa jornada”, enfatiza.
O futebol, com seu poder inigualável de unir as pessoas, está provando ser uma força de mudança na vida desses jovens atletas, mostrando que, em um mundo onde muitos ainda olham para as deficiências como marcadores de limitação, a verdadeira inclusão reside na transformação do olhar da sociedade e no fortalecimento de conexões humanas.