A política americana tem visto o uso de expressões fortes e provocativas, e, recentemente, o ex-chefe de gabinete de Donald Trump, o general aposentado John Kelly, declarou que o ex-presidente se encaixa na definição de “fascista”. Esse rótulo, que evoke figuras emblemáticas como Adolf Hitler e Benito Mussolini, não é apenas polêmico, mas também ilumina uma série de questões sobre o estado atual da política nos Estados Unidos. Com isso, abre-se um campo de discussão que ultrapassa a simples invectiva, e nos força a considerar o que realmente significa tal acusação. Kelly, ao expor sua perspectiva, revela um lado mais sombrio da retórica política contemporânea, o que nos leva a questionar: até que ponto as ações de Trump podem ser consideradas dentro do espectro do fascismo?
No contexto de uma sociedade que frequentemente divide conceitos políticos em caixas rígidas, o termo “fascismo” tem sido empregado para descrever ideologias autoritárias e ultranacionalistas. Kelly ofereceu ao The New York Times uma definição clara: trata-se de uma ideologia política caracterizada por um líder ditatorial, autocracia centralizada, militarismo e a supressão forçada da oposição. Ele argumentou que, a partir da sua experiência, as inclinações de Trump se alinhariam com esses princípios, especialmente considerando o seu apelo a táticas autoritárias na governança.
A afirmação de que Trump poderia usar o exército para enfrentar um “inimigo interno”, referindo-se a democratas como Nancy Pelosi e Adam Schiff, alimenta essa narrativa alarmista. Se, por um lado, defensores de Trump podem rotular essas sugestões como hipérbole, por outro, a história revela um padrão inquietante. Durante seu governo, Trump expressou o desejo de utilizar as forças armadas para desmantelar protestos, algo que foi rejeitado pelo então Chefe do Estado-Maior Conjunto, General Mark Milley, que comparou essa postura ao ‘grande mentiroso’ de Hitler. Essa dinâmica não só cria um clima de opressão, mas também imposições diretas à segurança pública.
As preocupações sobre a possibilidade de um governo Trump reinstaurado também se intensificam quando ele promete, se reeleito, realizar uma “guerra” contra o que considera um “estado profundo” apolítico, ou seja, burocratas dentro do Departamento de Justiça e do FBI. Essa ideia se alinha a um conjunto mais amplo de práticas fascistas, onde a dissentência não costuma ser bem-vinda e frequentemente é silenciada. Além disso, o histórico de Trump de demitir funcionários que o contradizem reforça esse temor. Sua decisão de exonerar James Comey, então diretor do FBI, por questionar sua conduta, exemplifica uma tendência preocupante de perseguição a opositores.
Porém, os rótulos são uma faca de dois gumes. Enquanto Trump, em seu discurso, se refere à própria administração como um “estado fascista”, a retórica usada por diversos atores políticos de ambos os lados pode confundir mais do que esclarecer. A comparação com os regimes totalitários da década de 1930, como o que prevaleceu na Alemanha, gerou debates enriquecedores e controversos, com muitos sugerindo que essa utilização exagerada do termo pode diluir seu significado. O professor Daniel Steinmetz-Jenkins, especialista na matéria, observa que a aplicação moderna do conceito de “fascismo” é muitas vezes feita de forma instrumental, com objetivos bem diversos dos que poderiam ter sido pretendidos no passado.
Na conclusão desse panorama, pergunta-se: o que resta da política americana se a etiquetagem de opositores como “fascistas” se torna uma norma? À medida que as campanhas eleitorais se intensificam e a ansiedade sobre um possível retorno de Trump se agrava, o tema fascismo emerge novamente nas discussões. Contudo, o que é realmente necessário é uma produção de um discurso que conseguisse inspirar a base democrática, afastando o temor de que estamos nos encaminhando para um regime autoritário. Se estivermos dispostos a suportar as consequências de um retorno às práticas de governança de Trump, é essencial refletir se essa é realmente a América que desejamos viver.