Em um esforço notável para contribuir com a ciência, o jovem Sam Srisatta, de 20 anos, decidiu dedicar um mês de sua vida a um experimento que pode moldar o futuro das diretrizes nutricionais e regulatórias nos Estados Unidos. O foco desse estudo gira em torno dos alimentos ultraprocessados, que atualmente compõem cerca de 70% do suprimento alimentar do país. Os dados revelam uma questão alarmante: o consumo desse tipo de alimentos está ligado a uma série de problemas de saúde, incluindo obesidade e doenças crônicas.
Diariamente, Srisatta é monitorado em todos os aspectos, desde o peso até amostras de fezes e sangue, que são coletadas para análise. As manhãs começam cedo, com enfermeiros registrando seus sinais vitais e, em alguns dias, ele se depara com um equipamento que mede a quantidade de oxigênio e dióxido de carbono que seu corpo expele, permitindo aos pesquisadores calcular quantas calorias ele queima em repouso. Após uma série de testes, ele tem um tempo limitado para consumir seu café da manhã, que é cuidadosamente pesado e registrado após a refeição.
Srisatta participa de um ensaio clínico inovador na Unidade de Pesquisa Clínica Metabólica do National Institutes of Health, em Bethesda, Maryland, onde ele e outros 35 voluntários vivem sob condições rigorosamente controladas por quatro semanas. O objetivo do estudo é desvendar o impacto na saúde associado ao consumo de diferentes tipos de alimentos ultraprocessados.
Kevin Hall, pesquisador sênior do Instituto Nacional de Diabetes e Doenças Digestivas e Renais, é quem lidera esse estudo. Ele enfatiza que os alimentos ultraprocessados são compostos por formulações industrialmente fabricadas a partir de ingredientes refinados que, em sua maioria, não estão presentes na cozinha das casas ou restaurantes. Esses alimentos são projetados para serem irresistíveis — eles frequentemente contêm combinações de açúcar, sal e gorduras que aumentam o que se conhece como “ponto de prazer” dos alimentos, tornando-os quase impossíveis de resistir.
Os Potenciais Perigos dos Alimentos Ultraprocessados
A ciência alimentar avançou ao longo das últimas décadas com a criação de sabores, texturas e aromas artificiais que são impossíveis de replicar em refeições caseiras. Esses aditivos, combinados com altos níveis de açúcar, sal e gordura, ajudam a criar o apelo avassalador dos alimentos ultraprocessados. Estudos evidenciam que o aumento do consumo desses alimentos está associado a riscos elevados de obesidade e desenvolvimento de condições crônicas como câncer, doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e até mesmo depressão.
A FDA relatou que as condições relacionadas à dieta representam pelo menos metade de todas as mortes nos Estados Unidos, impactando desproporcionalmente populações negras, indígenas e de baixa renda. Esses alarmantes dados, juntamente com os custos anuais de assistência médica que chegam a $4.5 trilhões, foram destacados por importantes autoridades em um editorial recente, enfatizando a urgência da questão dos alimentos ultraprocessados nas diretrizes alimentares do país.
Porém, surge a pergunta: todos os alimentos ultraprocessados causam o mesmo tipo de dano à saúde? Esse debate ainda está em curso, pois muitos pesquisadores ressaltam que não necessariamente todos os alimentos desse tipo são prejudiciais. O desafio, segundo Hall, é descobrir quais mecanismos dentro desse vasto grupo de alimentos conseguem conduzir à deterioração da saúde. O resultado desse estudo poderá fornecer informações cruciais demandadas por reguladores e formuladores de políticas.
Uma Dieta que Adiciona 500 Calorias a Cada Dia
Hall e sua equipe já haviam investigado o apelo dos alimentos ultraprocessados em um estudo anterior. Eles descobriram que indivíduos alimentados exclusivamente com alimentos ultraprocessados geralmente consumiam cerca de 500 calorias a mais por dia em comparação com aqueles que se alimentavam apenas de produtos minimamente processados. Essa diferença foi observada, mesmo quando a quantidade total de calorias e nutrientes no estudo era a mesma.
Contudo, o novo estudo de Hall proporcionará uma nova abordagem para entender melhor como as diversas composições de alimentos ultraprocessados podem influenciar o consumo excessivo. O experimento busca reformular dietas ultraprocessadas para avaliar dois fatores: a densidade energética dos alimentos e a hiperapalatilidade — que se refere à capacidade dos alimentos em estimular o desejo de comer excessivamente.
Um Marco na Investigação dos Alimentos Ultraprocessados
A obesidade é reconhecida como uma epidemia mundial, com previsões de que mais da metade da população global estará acima do peso ou obesa até 2035. Nos Estados Unidos, a situação é igualmente grave, com estimativas indicando que perto de 260 milhões de americanos estarão nessa condição dentro de alguns anos, a menos que ações políticas efetivas sejam tomadas.
Pela primeira vez, a possível influência dos alimentos ultraprocessados na epidemia de obesidade dos EUA está sendo investigada no âmbito das novas Diretrizes Dietéticas dos EUA de 2025-2030, que estão previstas para serem publicadas no final de 2025. Uma vez que essas diretrizes sejam finalizadas, elas formarão a base das políticas federais de nutrição para os próximos cinco anos.
Pesquisadores especializados em nutrição como Nestle afirmam que a questão dos alimentos ultraprocessados é provavelmente a mais importante a ser discutida na área da nutrição, dado o respaldo de estudos observacionais e de ensaios clínicos controlados que demonstram as consequências negativas desses produtos.
No entanto, a grande maioria dos estudos sobre o impacto dos alimentos ultraprocessados foi excluída das análises do comitê consultivo, alegando padrões rigorosos de pesquisa. Esse fato evidencia a necessidade de mais estudos que possam fornecer uma base sólida para uma eventual proposta de regulamentação.
Com a expectativa de novas diretrizes, as esperanças estão sob a promessa de que, a cada novo estudo, será possível formar um entendimento mais completo sobre o impacto dos alimentos ultraprocessados na saúde. Os pesquisadores estão ansiosos por recursos adicionais para continuarem seus trabalhos e explorarem novas facetas dessa questão crucial.