Hong Kong
CNN
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A China se prepara para um futuro que pode ser tanto volátil quanto imprevisível em sua crescente rivalidade de grande potência com os Estados Unidos, especialmente após o retorno histórico de Donald Trump, que conquistou a corrida pela Casa Branca. Essa reviravolta política não apenas promete alterar o cenário interno da potência norte-americana, mas pode também reverberar em toda a economia global, uma vez que a China, a segunda maior economia do mundo, está à beira de enfrentar um novo conjunto de desafios econômicos e políticos.
O retorno de Trump pode significar a imposição de tarifas tão altas quanto 60% sobre os produtos chineses. Tal medida pode devastar o crescimento econômico na China, que já enfrenta crises em diversos setores, ao mesmo tempo que destabiliza cadeias globais de suprimento. Além disso, espera-se um controle ainda mais rígido sobre a tecnologia e uma retórica incendiária contra Pequim, o que eleva ainda mais as tensões que já permeiam as relações entre estas duas superpotências.
No entanto, a postura protecionista e a abordagem transacional da política externa de Trump também podem resultar em um fortalecimento das alianças chinesas e em uma liderança global alternativa, à medida que os laços americanos se enfraquecem e a influência dos EUA no cenário global diminui. Isso apresenta uma oportunidade para Pequim explorar o vácuo deixado pela possível retirada dos Estados Unidos da ordem mundial.
Segundo analistas, “o retorno de Trump ao poder certamente trará maiores oportunidades e riscos para a China. Se isso resultará em mais riscos ou em mais oportunidades, depende da interação entre os dois lados”, afirma Shen Dingli, uma referência em análise de políticas internacionais em Xangai. Essa afirmação expressa a incerteza que muitos especialistas sentem quanto ao futuro das relações entre as duas potências.
De modo oficial, a China buscou apresentar uma postura neutra em relação à vitória de Trump. O Ministério das Relações Exteriores da China declarou que “respeita” a escolha do povo americano. Uma declaração feita logo após a vitória de Trump, que, por sua vez, obteve os parabéns do líder chinês, Xi Jinping. Embora conhecido por sua simpatia com autocratas, Trump frequentemente elogiou Xi, chamando-o de “um amigo muito bom”, mesmo enquanto as relações entre os Estados Unidos e a China se deterioravam durante seu governo.
Xi comunicou ao presidente eleito que os Estados Unidos e a China podem “encontrar o caminho certo” para coexistir “nesta nova era”, conforme divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores da China. Tal diálogo é uma tentativa de suavizar as tensões entre os dois países, mas, sob a superfície calma, é evidente que Pequim está se preparando para as incertezas que a administração Trump pode trazer.
“Trump é uma pessoa muito volúvel”, afirma Liu Dongshu, professor assistente de assuntos internacionais na Universidade da Cidade de Hong Kong. “Ainda não está claro se ele implementará, e em que grau, as políticas que prometeu durante a campanha eleitoral, e se ele irá manter sua agenda do primeiro mandato”.
Tarifas Exorbitantes: Um Impacto Potencial na Economia Chinesa
Durante seu primeiro mandato, Trump, o populista que prometeu “fazer a América grande novamente”, deu início a uma severa guerra comercial com a China, colocando a gigante das telecomunicações chinesa, Huawei, em uma lista negra por questões de segurança nacional e culpando Pequim pela pandemia de Covid-19. Ao final de seu primeiro mandato, as relações bilaterais alcançaram o nível mais baixo em décadas, levando os investidores a temerem uma repetição desse cenário conforme as eleições se aproximam novamente.
Agora, Trump ameaça durante sua campanha impor tarifas de 60% sobre todos os produtos fabricados na China e revogar o status de “normalização comercial permanente” que, por mais de duas décadas, conferiu a Pequim as condições comerciais mais favoráveis nos Estados Unidos. Se concretizadas, essas medidas punitivas poderiam dar um golpe devastador em uma economia já acometida por uma crise no setor imobiliário, queda no consumo, preços em declínio e crescentes dívidas do governo local.
Um relatório da instituição financeira Macquarie estima que, se a tarifa subir para 60%, o crescimento da economia chinesa poderá cair em até dois pontos percentuais, o que representaria quase metade da taxa de crescimento esperado da China, que é de 5% para o ano. Essa previsão alarmante tem gerado uma tensão crescente em mercados chineses, uma vez que investidores reagem ao aumento da vantagem de Trump sobre sua adversária Kamala Harris.
As tarifas atuam como um imposto sobre importações, prejudicando não apenas os consumidores no país que as impõem, mas também as empresas que dependem de matérias-primas e componentes importados para produzir seus produtos finais. Uma escalada significativa nas tensões comerciais globais provavelmente trará dor, não apenas para a China e os Estados Unidos, mas também para outros países envolvidos nas cadeias de suprimento globais.
Ao contrário de seus predecessores republicanos que se enraizaram no establishment, Trump tem uma abordagem errática e incomum para a formulação de políticas, aumentando a incerteza em Pequim. “Trump começou seu primeiro mandato como um admirador entusiasta de Xi Jinping, antes de aplicar tarifas e depois de vilanizar Pequim durante a pandemia”, observou Daniel Russel, vice-presidente de segurança internacional e diplomacia do Asia Society Policy Institute. Ele acrescenta que isso faz com que Pequim se aproxime do presidente eleito com uma cautela redobrada, tentando entender qual versão de Trump ela deve esperar e onde pode haver oportunidades a serem exploradas.
Desafios e Oportunidades para a China na Nova Administração Trump
Apesar dos receios de uma nova guerra comercial, especialistas sugerem que a abordagem “América Primeiro” de Trump pode trazer benefícios inesperados para Pequim. “Embora Beijing esteja profundamente preocupada com a imprevisibilidade da política de Trump em relação à China, também se lembra de que os desafios podem trazer oportunidades”, explicou Tong Zhao, pesquisador sênior do Carnegie Endowment for International Peace.
Zhao aponta que, apesar dos temores de uma guerra comercial renovada, Pequim acredita que as duras políticas tarifárias de Trump seriam extremamente impopulares na Europa, criando uma abertura para a China fortalecer vínculos econômicos com o continente e contrabalançar os esforços dos EUA para intensificar o desengajamento econômico e de cadeia de suprimentos entre a China e nações ocidentais. O que pode ser uma jogada interessante para Pequim, que busca expandir sua influência.
Além disso, a aversão de Trump à OTAN e às alianças e instituições internacionais em geral ameaça enfraquecer as alianças americanas que o presidente Joe Biden construiu cuidadosamente para combater as ameaças de uma China em ascensão. Essa mudança poderá oferecer alívio temporário a Pequim, que está cada vez mais irritada com o que percebe como uma estratégia de Washington para cercá-la com uma “OTAN asiática”.
A possível virada interna da América sob a liderança de Trump pode ser uma boa notícia para Xi Jinping, que aumentou esforços para reivindicar a liderança do Sul Global e construir uma nova ordem mundial não dominada pelo Ocidente. Essa dinâmica oferece uma perspectiva renovada sobre as ambições da China de ser uma superpotência global, mesmo frente a presumíveis adversidades.
Taiwan e Relações com a Rússia: Uma Oportunidade de Negociação?
Pequim também pode estar buscando maneiras de utilizar a propensão de Trump para negociações, especialmente em relação a Taiwan, uma ilha considerada parte da China pela República Popular, apesar de nunca ter sido controlada por ela. O direito sobre Taiwan tem sido um espinho nas relações entre China e Estados Unidos, especialmente durante a administração anterior, que foi marcada por um notável apoio ao governo autônomo de Taiwan através de vendas de armas e visitas diplomáticas.
Embora Trump tenha elevado preocupações acerca do comprometimento americano com a ilha democrática, seus recentes comentários, onde afirma que Taiwan deveria “pagar” pelos serviços de proteção da América, podem moldar uma nova abordagem mais transacional em relação a Taiwan. No entanto, isso pode se tornar mais complicado e estratégico nas relações entre as três potências, à medida que a dinâmica política global continua a se alterar.
Trump, ao discorrer sobre um possível bloqueio por parte da China sobre Taiwan, sugeriu que isso não aconteceria, pois Xi o respeita e sabe que ele é “louco”. Ao mesmo tempo, ele insinuou que esteja disposto a aplicar tarifas entre 150% e 200% para pressionar Pequim. Essa retórica acende sinais de alerta sobre a direção que as relações entre os EUA e China, e por consequência Taiwan, podem tomar nas próximas negociações.
Além disso, a postura de Trump em relação à Rússia e seu interesse em pressionar a Ucrânia a aceitar um trégua incerta têm potencial para impactar a relação entre Moscou e Pequim, que se aprofundou desde a invasão russa na Ucrânia. Se os EUA e a Rússia suavizarem suas relações, isso poderá criar uma divisão maior entre Rússia e China, levando a um reequilíbrio das forças na região do geral.
Com tudo o que foi dito, fica evidente que Trump considera a China, e não a Rússia, como seu principal adversário. Portanto, a dinâmica internacional continuará a ser moldada por ações e reações entre as potências, enquanto Trump busca consolidar seu poder e influência em uma nova era de desafios globais.