A temática das artes performáticas frequentemente é acompanhada de entusiasmo e expectativas, mas, por vezes, o brilho pode ocultar sombras profundas. Recentemente, uma razão para preocupação e debate surgiu quando uma ex-dançarina da Shen Yun Performing Arts ingressou com uma ação judicial contra a renomada companhia de dança, alegando que crianças que se apresentam para ela enfrentam condições severas, caracterizadas por longas jornadas de trabalho e baixo pagamento. Este caso não apenas destaca as dificuldades enfrentadas pelos jovens artistas, mas também levanta questões mais amplas sobre a exploração na indústria das artes.
A ação judicial, proposta por Chang Chun-Ko na corte federal de White Plains, Nova York, busca indenizações não especificadas em nome de Chang e outros supostos vítimas da Shen Yun, que tem sua sede em Dragon Springs, na cidade de Cuddebackville, Nova York, além de outras entidades também nomeadas como réus. Segundo as alegações, a companhia adotou práticas de abuso severas que se assemelham às da Partido Comunista Chinês, incluindo a humilhação pública como forma de disciplina, mesmo enquanto a Shen Yun enfrenta perseguições promovidas pelo próprio partido, o que colocaria em xeque suas práticas e valores éticos.
De acordo com a denúncia, a Shen Yun obteve lucros impressionantes, estimados em centenas de milhões de dólares, por meio da exploração de jovens dançarinos recrutados no exterior, forçando-os a trabalhar em condições extenuantes e criando um ambiente intimidador que os desencorajava a deixar a companhia. Mesmo com essas alegações pesadas, a companhia de dança não respondeu imediatamente a solicitações de comentários acerca das acusações.
A companhia sustenta em seu site que 85% de seus artistas são adultos e descreve a experiência de fazer turnê com a Shen Yun como uma “oportunidade única na vida” para artistas jovens que aspiram a uma carreira nas artes. Além disso, a companhia afirma proporcionar até US$ 50.000 em bolsas de estudo para que essas jovens promessas possam frequentar instituições de ensino registradas no Departamento de Educação do Estado de Nova York ou acreditadas pela Comissão de Ensino Superior da Nova Inglaterra. No entanto, é fundamental questionar se esses benefícios compensam as dificuldades enfrentadas no dia a dia dos dançarinos.
Curiosamente, a Shen Yun, juntamente com a Fei Tian Academy of the Arts e o Fei Tian College, que também foram mencionados como réus, foi fundada por seguidores da fé Falun Gong, uma prática espiritual que tem sido objeto de perseguição na China. Chang, por sua vez, ingressou na Fei Tian Academy com uma bolsa integral depois que seu pai faleceu, aos 11 anos, na esperança de ajudar sua família através da dança. Chang iniciou suas apresentações com a Shen Yun em dezembro de 2009, mas trabalhou todo o primeiro ano sem receber pagamento, dedicando-se até 18 horas por dia em preparações para os shows, que incluíam performances no icônico Radio City Music Hall, em Nova York.
A situação de Chang se agravou com o tempo, já que, após seu primeiro ano, ela começou a receber apenas US$ 500 por mês, quantia que aumentou para US$ 1.000 depois que ela “se formou” na Fei Tian College em 2019. Nesse ínterim, ela passou por um intenso treinamento de maio a novembro, enquanto se apresentava de dezembro a maio em mais de 100 shows, tanto nos Estados Unidos quanto internacionalmente. Vale ressaltar que a dançarina não podia se encontrar com sua mãe a não ser durante um breve período de férias, uma vez ao ano, o que levanta preocupações sobre seu bem-estar emocional e psicológico.
As alegações vão além das condições de trabalho, abrangendo questões sérias de saúde. A ação judicial afirma que Chang contraiu sarampo aos 14 anos e não foi autorizada a procurar um médico, sendo orientada a meditar para melhorar e obrigada a continuar trabalhando enquanto se recuperava. Ao ser desligada da Shen Yun em 2020, aos 24 anos, Chang retornou a Taiwan, onde foi diagnosticada com depressão clínica e transtorno de estresse pós-traumático. Essa triste sequência de eventos destaca a importância de protegermos os direitos e a saúde mental dos jovens artistas, que muitas vezes são pressionados por um sistema exigente e, em alguns casos, abusivo.
À medida que a sociedade toma conhecimento dessas alegações, é fundamental refletir sobre como a indústria da dança e das artes performáticas pode ser aperfeiçoada para garantir que todos os artistas, independentemente de sua idade ou origem, sejam tratados com dignidade e respeito. A história de Chang serve como um alerta e um chamado à ação para que efetivamente possamos criar um ambiente onde a arte, que deve ser uma expressão de liberdade e beleza, não se transforme em um espaço de opressão e sofrimento.