No contexto da crescente competitividade entre as principais empresas de nuvem em relação ao desenvolvimento de inteligência artificial (IA), a Amazon Web Services (AWS) surge com uma proposta ousada: um novo programa de subsídios denominado “Build on Trainium”. Com um total de 110 milhões de dólares destinados a instituições, cientistas e estudantes que atuam na pesquisa em IA, a iniciativa visa destacar o chip Trainium, um dos pilares da estratégia da AWS neste segmento emergente. Essa medida não só busca atrair talentos para a plataforma da Amazon, como também tenta preencher uma lacuna significativa existente entre os recursos disponíveis para a academia e as necessidades dos pesquisadores na área de IA.
A luta pela supremacia no desenvolvimento de chips de IA
Atualmente, os gigantes da tecnologia estão engajados em uma verdadeira batalha de chips voltados para a inteligência artificial. A Google, por exemplo, recentemente lançou o Trillium, um chip desenvolvido especificamente para treinar e executar modelos de IA. Por sua vez, a Microsoft está prestes a revelar Maia, seu próprio chip para a mesma finalidade. Em resposta a essa crescente competição, a AWS não se deixou ficar para trás e apresentou sua linha de chips dedicados à IA, que inclui o Trainium, Inferentia e Graviton.
O programa “Build on Trainium” se destaca por sua abrangência e por suas promessas de apoio aos pesquisadores. As universidades que já possuem parcerias estratégicas com a AWS poderão receber até 11 milhões de dólares em créditos para o uso do Trainium, enquanto a comunidade acadêmica mais ampla poderá contar com subsídios individuais de até 500 mil dólares. Além disso, a AWS está planejando estabelecer um “cluster de pesquisa” composto por até 40 mil chips Trainium, que estarão disponíveis para equipes de pesquisa e estudantes através de reservas autogeridas.
Recursos e a crítica à dependência corporativa
Gadi Hutt, diretor sênior da Annapurna Labs, a empresa de fabricação de chips adquirida pela AWS em 2015, enfatizou que o objetivo do programa é fornecer o suporte de hardware necessário para que os pesquisadores possam avançar em seus projetos. Segundo Hutt, a pesquisa acadêmica em IA enfrenta gargalos significativos devido à falta de recursos, o que, por sua vez, tem feito com que o setor acadêmico fique cada vez mais para trás em comparações com o progresso realizado pelas grandes empresas de tecnologia.
Apesar da perspectiva otimista apresentada pela AWS, existem críticos que veem este programa como uma tentativa de corromper a pesquisa acadêmica, otimizando-a para fins comerciais. Os críticos apontam que o processo de seleção para os subsídios é opaco e que a AWS terá a palavra final sobre quais projetos receberão apoio financeiro. Hutt defendeu que uma comissão composta por especialistas em IA analisará as propostas e escolherá aquelas que apresentarem maior impacto e potencial para avanço no campo da ciência de aprendizado de máquina.
A desproporção entre academia e indústria
A realidade é que os acadêmicos envolvidos em pesquisa de IA enfrentam dificuldades no acesso a infraestrutura de suporte comparável àquela que as gigantes da tecnologia possuem. Por exemplo, a Meta adquiriu mais de 100 mil unidades de chips de IA para o desenvolvimento de seus modelos de destaque, enquanto que o grupo de Processamento de Linguagem Natural da Universidade de Stanford opera com apenas 68 unidades de GPU. Esta disparidade revela um cenário preocupante, onde a maioria das inovações em IA está ocorrendo nas esferas corporativas, em vez de nas universidades.
Uma pesquisa recente mostrou que empresas de IA com apoio corporativo tendem a favorecer trabalhos voltados para aplicações comerciais em detrimento de investigações que exploram as implicações éticas da IA. Além disso, a diversidade de tópicos abordados nas pesquisas “responsáveis” feitas por grandes empresas é considerada estreita em escopo, reduzindo assim o potencial para avanços significativos em áreas cruciais da ética e responsabilidade na IA. Essa dinâmica levanta a pergunta: até que ponto a iniciativa “Build on Trainium” realmente contribuirá para uma mudança positiva nesse cenário?
O futuro da pesquisa em inteligência artificial
Embora o programa da AWS ofereça uma oportunidade valiosa, cabe ressaltar que este esforço é relativamente modesto se comparado ao imenso investimento privado na pesquisa em IA. No ano de 2021, apenas partes da Administração dos Estados Unidos, excluindo o Departamento de Defesa, alocaram 1,5 bilhão de dólares em funding acadêmico para pesquisas em IA, um valor que já é superado pela quantia total que a indústria global gastou, ultrapassando 340 bilhões de dólares.
Como resultado dessa rivalidade, um número cada vez maior de profissionais formados na área de IA tem sido atraído pela indústria privada, não apenas pelas ofertas salariais competitivas, mas também pelo acesso a dados essenciais e capacidade computacional. A tendência de empresas farmacêuticas e tecnológicas de “poaching” de pesquisadores acadêmicos, ou seja, a contratação de professores e alunos de doutorado, tem se intensificado, o que resulta em um número desproporcional de modelos de IA desenvolvido no setor privado.
Em suma, enquanto a AWS busca positivamente incentivar a pesquisa acadêmica através do programa “Build on Trainium”, a realidade do financiamento ainda gera grandes barreiras a serem superadas. Embora iniciativas governamentais estejam sendo implementadas, como o investimento de 140 milhões de dólares da National Science Foundation em Institutos de Pesquisa em IA, os esforços ainda são pequenos em comparação às vastas quantias que empresas do setor privado estão dispostas a investir. A questão permanece: será que a estratégia da AWS conseguirá realmente reverter esta tendência e equilibrar a balança entre a academia e a indústria? Isso apenas o tempo dirá.