O filme “O Iluminado”, dirigido por Stanley Kubrick, se distanciou da obra original de Stephen King, gerando diversas interpretações ao longo dos anos. Desde seu lançamento em 1980, ele é considerado um marco no gênero de terror e, seu impacto cultural, enriquecido pelas ambiguidades da narrativa, tem fomentado discussões e análises por décadas. Neste contexto, uma nova teoria intrigante surgiu, sugerindo que a maioria dos acontecimentos no longa-metragem não é senão uma ficção dentro da ficção, ou seja, tudo estaria se desenrolando no próprio livro que o protagonista Jack Torrance está escrevendo.
Na essência, “O Iluminado” acompanha Jack Torrance, um escritor em busca de renovo criativo, que aceita um trabalho como zelador de inverno no isolado Hotel Overlook, nas Montanhas Rochosas do Colorado. Junto de sua esposa, Wendy, interpretada por Shelley Duvall, e seu filho Danny, eles se veem aprisionados no hotel pela força de uma tempestade de neve. O que se inicia como uma nova oportunidade para Jack, rapidamente se transforma em um pesadelo, conforme forças sobrenaturais presentes no hotel começam a afetar sua sanidade, enquanto o jovem Danny descobre seu dom psíquico, conhecido como “o brilho”.
Durante o filme, os espectadores notam que Jack, interpretado por Jack Nicholson, apresenta uma relação intensa com sua máquina de escrever, repetindo obsessivamente a frase “Todo trabalho e nenhuma diversão faz de Jack um garoto maçante”. Este ciclo de repetição destaca sua crescente deterioração mental e a luta contra o bloqueio criativo. Assim, a teoria que sugere que grande parte da história se passa dentro do livro de Jack levanta questões intrigantes sobre a realidade dentro da narrativa.
Segundo os defensores dessa teoria, Jack teria se inspirado diretamente nas histórias macabras contadas pelo gerente do hotel, Ullman. Essas histórias, que abrangem eventos traumáticos do passado do hotel, teriam sido o combustível criativo para Jack, permitindo que ele desenvolvesse os personagens que aparecem em sua obra. Várias incongruências no enredo enfrentadas pelos espectadores, como as figuras enigmáticas dos Grady (Charles e Delbert), poderiam ser vistas como criações da mente de Jack. Este conceito ajuda a esclarecer a confusa arquitetura do hotel, que se assemelha mais a um labirinto confuso refletindo o estado de espírito do protagonista, do que a um espaço coeso e real.
Ademais, os críticos da teoria observam que muitos dos elementos assustadores do filme, como as visões de Danny e os fantasmas que assombram o hotel, poderiam ser simples manifestações da própria imaginação de Jack, levando a uma experiência de terror que não necessariamente precisa ser explicada por forças externas. O envolvimento de Danny com o “brilho” torna-se um reflexo das percepções e da vivência do pai como escritor, culminando em um cenário em que as interações sobrenaturais podem ter sido meramente fruto da criação da narrativa.
Outro momento-chave para essa visão é a cena em que Wendy confronta Jack enquanto ele está supostamente trabalhando em seu manuscrito, mas surpreende-se ao se deparar com folhas em branco do lado da máquina de escrever. Quando Jack se torna agressivo ou descontrolado, isso seria uma representação da narrativa que ele criou; a agressividade, então, poderia ser interpretada como um desvio da realidade de Jack, representando seu conflito interno e suas inseguranças. Essa sensação crescente de confusão e a natureza fragmentada da história que se desenrola leva o espectador a questionar o que é real e o que é fictício na narração do filme.
Por outro lado, a teoria levanta a questão se o Hotel Overlook realmente possui uma natureza sobrenatural, ou se é apenas um local que testemunhou tragédias reais. Se a história de Jack não tivesse qualquer influência externa, isso desmistificaria o caráter assustador do hotel, transformando-o em um espaço comum com uma história sombria, mas sem elementos paranormais. Consequentemente, a narrativa sobre Jack tentava matar sua família poderia ser reinterpretada como uma tragicomédia literária, onde a realidade do terror não necessariamente existe. Essa nova perspectiva desdobra a percepção de quem são os verdadeiros vilões — seria o ambiente? As forças que habitam o hotel? Ou a própria mente perturbada de Jack?
É inegável que “O Iluminado” apresenta um enredo complexo, recheado de jogos psicológicos que desafiam tanto o espectador quanto o próprio protagonista a discernir entre a realidade e a ficção. A teoria de que a maior parte do filme acontece na obra de Jack traz uma nova camada de interpretação ao filme, enriquecendo a experiência de quem decide revisitá-lo. Ao mesmo tempo, expõe as fragilidades do sistema de terror estabelecido por Kubrick, tornando o hotel uma mera recordação de um passado trágico, desprovido de sua aura de mistério e terror.
Dessa forma, “O Iluminado” se mantém como um ícone do terror cinematográfico, convidando todos a explorarem suas camadas, sempre com a possibilidade de que a verdadeira história pode ser muito mais do que se vê à primeira vista. Embora os elementos que aterrorizam possam se desvanecer através dessa análise, é a arte de contar histórias que continua a fascinar, e cada espectador traz consigo uma nova interpretação para esta marca na história do cinema.
Assim, quer você concorde ou não com essa teoria ou com a ideia de que Jack Torrance nunca foi realmente um assassino, uma coisa é certa: a discussão a respeito de “O Iluminado” e sua narrativa envolvente nunca deixará de capturar a imaginação de novos e antigos fãs. O que está claro é que a dança entre a realidade e a ficção redefine continuamente como apreciamos uma das obras mais intrigantes da sétima arte.