A crescente tensão entre desenvolvedores de aplicativos e as plataformas dominantes, como Apple e Google, em relação ao controle que exercem sobre as receitas geradas por suas lojas de aplicativos, tem impulsionado inovações no setor. Uma dessas inovações surge na forma da startup Appcharge, que recentemente anunciou a arrecadação de US$ 26 milhões com uma valorização de US$ 100 milhões, com o objetivo de proporcionar uma alternativa eficaz para desenvolvedores de jogos que buscam monetizar seus produtos sem depender das grandes corporações de tecnologia. Entretanto, a proposta da Appcharge não é a criação de uma nova loja de aplicativos ou de uma rede publicitária, mas sim um sistema que se assemelha ao modelo de e-commerce oferecido pelo Shopify, permitindo que os editores de jogos construam seus próprios sites para a venda de moedas virtuais e outros bens digitais diretamente aos consumidores.

A rodada de investimento conta com a liderança da Creandum, uma importante empresa de capital de risco nórdica, que já investiu em gigantes como Spotify, conhecida por sua postura crítica em relação às práticas de mercado da Apple e Google. Outras empresas um tanto influentes do setor de jogos, como a Supercell, a Bitkraft Ventures e a Moneta Ventures, também estão entre os investidores que reconhecem a urgência em diversificar as maneiras de monetizar os jogos. Embora o CEO e fundador da Appcharge, Maor Sason, não tenha revelado se a Supercell é cliente da startup, ele confirmou que a Appcharge já possui diversos clientes e processa cerca de US$ 200 milhões anualmente em compras. Vale ressaltar que a Supercell, famosa por seus jogos como Clash of Clans, já administra uma loja online própria para a venda de moedas.

A motivação de Sason para fundar a Appcharge, com sede em Tel Aviv, nasceu de sua experiência anterior na Appush, uma startup voltada para anúncios em jogos móveis. A venda de sua primeira empresa para a Magic por US$ 25 milhões deu a Sason a confiança e os recursos necessários para explorar um nicho ainda não totalmente explorado. Afinal, o caso da Epic contra a Apple, que gerou intensos debates e reflexões na comunidade gamer, indicava que o cenário precisava de alternativas às caras batalhas judiciais e maior independência para os desenvolvedores. “Era claro para mim que os desenvolvedores precisavam reconquistar seus usuários”, disse Sason, reconhecendo uma lacuna significativa no mercado.

O cerne da tecnologia da Appcharge está dentro do que se denomina comércio “headless”, ou seja, uma forma de e-commerce que confere às empresas ferramentas para a criação de sites personalizados, com muito mais flexibilidade do que aquelas disponibilizadas em plataformas de construção de sites comuns. O diferencial da Appcharge é que, ao criar soluções voltadas para modelos de negócios de jogos, a empresa garante que a gestão de contas de usuários nos jogos e as lojas dos editores estão interligadas, com análises sobre preços e atividades de compra. Além disso, a Appcharge posiciona-se como o “merchant of record” para editores, estabelecendo contas comerciais em países onde os editores possuem suas bases de clientes, integrando automaticamente taxas de vendas e outros encargos, amadurecendo o modelo de negócios de maneira bastante eficiente.

Apesar de todo o planejamento e inovação, Sason deixou claro que a Appcharge não atua na área de publicidade móvel, visando evitar a coleta de dados que poderiam ser usados para tal. Em vez disso, a empresa foca em fornecer uma solução que complementa as iniciativas de grandes editores que buscam se desvincular das amarras impostas pelas plataformas tradicionais. O que remete à estratégia de empresas como a Epic Games, que investiu na criação de suas próprias lojas para proporcionar uma experiência mais direta entre desenvolvedores e usuários, reduzindo a fricção durante o processo de compra.

Ainda assim, apesar de a Appcharge ter facilitado a obtenção de US$ 200 milhões através de sua plataforma, essa quantia é apenas uma fração dos impressionantes US$ 107 bilhões que foram gastos em jogos móveis no último ano, indicando que o mercado ainda possui um vasto potencial inexplorado. Atualmente, a Appcharge não cria links diretos entre diferentes experiências de compra dentro dos jogos; a sua estratégia de atrair usuários se baseia principalmente em divulgação boca a boca, newsletters e fóruns para gamers. Se essa abordagem se mostrará escalável, apenas o tempo dirá, mas a história de sucesso de plataformas como Discord sugere que há um caminho promissor a ser seguido.

Enquanto isso, a startup se projeta como uma solução que complementa outros esforços, mirando um futuro onde os usuários podem interagir com as marcas através de diversos canais, como lojas de aplicativos de terceiros, como no caso da Epic Games. Este recente financiamento é emblemático, considerando o momento desafiador em que muitos startups de jogos enfrentam dificuldades para concluir rodadas de investimento, especialmente com a diminuição do número de negócios fechados no último trimestre e um crescimento de apenas 2% no mercado de jogos no último ano, de acordo com um relatório da Konvoy Ventures.

O impacto das mudanças nas políticas de privacidade também não pode ser ignorado. A introdução do App Tracking Transparency pela Apple em 2021, que permite que os usuários optem por não serem rastreados, complicou o cenário de marketing para desenvolvedores. Isso gerou custos mais elevados de aquisição de clientes e diminuiu a lucratividade de muitos criadores de jogos. As manobras em torno das lojas de aplicativos abrem caminho para soluções inovadoras, e a Appcharge parece estar na vanguarda dessa nova era, trazendo esperança para um setor que luta por liberdade e opções variadas de monetização.

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