Uma espécie de verme marinho que havia sido perdida de vista por quase 70 anos voltou a ser vista, graças a pesquisas meticulosas e à ajuda de um pequeno cavalo-marinho com menos de um centímetro. Ao analisarem imagens de minúsculos cavalos-marinhos capturadas por mergulhadores, cientistas se depararam com a presença de vermes “fotobombadores” que habitavam colônias de corais que vão do Japão até a Austrália. Essa descoberta não apenas renova o interesse pela biodiversidade do oceano, mas também apresenta um novo capítulo na história do estudo dos poliquetas, um grupo diversificado de vermes marinhos.
O verme recentemente redescoberto é conhecido como Haplosyllis anthogorgicola, uma espécie de poliqueta que geralmente mede no máximo 6 milímetros. Este pequeno ser marinho geralmente se enterra em corais gorgônias, onde se encontram em densidades de até 15 vermes por centímetro cúbico. No entanto, desde a sua identificação inicial pelo biólogo marinho Huzio Utinomo, da Universidade de Kyoto, em 1956, a espécie não havia sido observada diretamente em seu habitat natural até agora, conforme relatado na revista Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences.
A dificuldade em localizar esses vermes é extrema, principalmente pela sua pequena dimensão e transparência quase invisível quando submersos. Chloé Fourreau, a autora principal do estudo e estudante de doutorado no Laboratório de Sistemática e Ecologia de Invertebrados Moleculares na Universidade de Ryukyus, no Japão, elucidou a dificuldade dessa tarefa. No entanto, a pesquisadora também destacou a importância do papel da comunidade na coleta de imagens que contribuíram para esta nova descoberta.
Com cerca de 10.000 espécies de poliquetas já nomeadas e um número possivelmente duas vezes maior por descobrir, muitas questões sobre a biologia e interações desses vermes com outras espécies continuam sem resposta. Karen Osborn, pesquisadora e curadora do Departamento de Zoologia de Invertebrados do Museu Nacional de História Natural do Smithsonian, reiterou que a nova pesquisa revela como esses vermes ativos estavam “abaixo do nosso nariz, mas virtualmente não percebidos”. Essa nova abordagem de mobilizar dados e imagens coletados por cidadãos mostra-se promissora para estudos futuros também sobre outras espécies pouco estudadas.
O ponto de partida para a pesquisa surgiu quando Ai Takahata, coautora do estudo e estudante de graduação, pesquisava a camuflagem dos minúsculos cavalos-marinhos (Hippocampus bargibanti). Durante a análise de amostras de corais coletadas em águas próximas ao Japão, ela encontrou inesperadamente os vermes H. anthogorgicola. Ao cortar um galho da coral, diversos vermes apareceram, levando Fourreau a investigar mais a fundo. “Ela me deu os vermes porque sabia do meu interesse por poliquetas, mas antes de olhar para os vermes, eu sequer sabia sobre esta espécie”, contou Fourreau.
Durante um estudo em 2023, Fourreau teve uma ideia brilhante e pediu ao capitão de um barco para fazer uma detour e amostrar corais em uma localização diferente na Baía de Sukumo, no Japão. Nesse momento, mais vermes foram encontrados. Enquanto organizava suas fotos debaixo d’água, Fourreau fez outra descoberta surpreendente: buracos nos corais onde os vermes habitavam eram visíveis nas imagens. Em busca de mais evidências, os pesquisadores se voltaram ao iNaturalist, uma plataforma onde pessoas compartilham imagens e informações sobre a biodiversidade, para encontrar fotos de cavalos-marinhos e, possivelmente, de seus vizinhos vermes.
Surpreendentemente, as imagens de cavalos-marinhos, que têm aproximadamente 2,5 centímetros de comprimento, estavam repletas de “fotobombas” de vermes. Os membros, cabeças e caudas dos vermes emergiam dos buracos de corais. Os cientistas também relataram ter contado sete exemplos de vermes escalando os corpos dos cavalos-marinhos. Os túneis dos vermes se espalhavam pelas ramificações de corais e para os pólipos, com a estimativa de que cerca de 84% das corais fotografadas apresentavam infestações de vermes.
Ampliação do conhecimento sobre a distribuição de vermes branquiais
Antes desse estudo, muito pouco se sabia sobre o alcance e os hábitos do H. anthogorgicola. “Montar o quebra-cabeça sobre os estilos de vida de animais difíceis de encontrar é especialmente desafiador, especialmente quando a pesquisa publicada sobre eles é quase inexistente”, afirmou Fourreau. No entanto, a pesquisa revelou que a informação disponível sobre espécies mais conhecidas pode ser reaproveitada para aprender sobre aquelas menos estudadas, como os vermes.
O uso das coordenadas GPS das fotos do iNaturalist ampliou significativamente a distribuição potencial dos vermes, que agora se estende muito mais ao sul do que se pensava anteriormente. Os novos dados abrangem regiões como Austrália, Timor-Leste, Indonésia, Japão, Malásia, Nova Caledônia, Papua Nova Guiné, Filipinas e Taiwan.
Fatos intrigantes sobre a interação dos vermes com os corais
O estudo de 1956 de Utinomo restringia a associação dos vermes a apenas uma espécie de coral — Anthogorgia bocki — porém a análise das fotos sugere que esses vermes habitam outros corais do mesmo gênero. Além disso, as imagens proporcionaram a primeira evidência de interação direta entre os vermes e os cavalos-marinhos.
Os poliquetas habitam uma diversidade de habitats, incluindo gelo polar, fontes hidrotermais profundas e os vastos oceanos abertos. Eles são fundamentais para a teia alimentar marinha e ajudam a construir habitat para outros animais. As fotos do iNaturalist também responderam algumas perguntas pendentes sobre o estilo de vida e os hábitos do H. anthogorgicola, mas Fourreau reafirmou que ainda há muito a ser aprendido sobre a relação entre esses vermes e os corais que habitam.