Um turbilhão de tensões e disputas legais se desenrola no mundo das startups de tecnologia, mais especificamente no setor de caminhões autônomos. Xiaodi Hou, co-fundador e ex-CEO da TuSimple, uma empresa de caminhões autônomos, está exigindo que o conselho da companhia liquidasse as suas operações e devolvesse os recursos remanescentes de aproximadamente 450 milhões de dólares aos acionistas de maneira proporcional e inequívoca. Essa revelação foi confirmada em uma carta vista pelo TechCrunch. Nesse contexto, Hou moveu uma ação judicial contra a TuSimple e seu ex-cofundador Mo Chen, alegando que um acordo de votação firmado em 2022, que conferia a Chen o controle sobre a empresa, expirou em novembro de 2024, o que reverteria seus direitos de votação para Hou.
A atividade de Hou não se limita ao âmbito judicial. Ele criou um site chamado SaveTuSimple.com, voltado para mobilizar apoio à sua proposta de liquidação e à devolução de dinheiro aos acionistas, que incluem grandes investidores como Traton Group, Blackrock e Vanguard. De acordo com informações disponíveis, em 26 de novembro, as ações da TuSimple eram negociadas a 0,24 dólares por unidade, enquanto a empresa dispunha de 1,93 dólares em caixa por ação. O site de Hou enfatiza que, através da liquidação, os acionistas poderiam “realizar imediatamente mais de 700% de prêmio em relação ao preço de mercado atual”.
Essa ação e a campanha de Hou são reflexos de um conflito maior entre a TuSimple e alguns de seus acionistas, que incluem o próprio Hou, em meio a tentativas da empresa de transferir seus ativos restantes para a China. Antes de encerrar suas operações nos EUA e se deslistar do mercado de ações no início deste ano, a TuSimple era uma empresa sem receita, portanto, qualquer capital disponível hoje provém de investidores. Acusações graves foram levantadas por Hou e outros acionistas, que alegam que a liderança da TuSimple teria redirecionado ativos para negócios de animação e jogos relacionados a Chen, o que foi interpretado como uma mudança drástica de percurso para a companhia.
No início deste mês, Hou solicitou a um tribunal de distrito da Califórnia que emitissem uma ordem de restrição temporária à TuSimple, a fim de impedir a transferência de ativos dos EUA para a China como parte de um processo judicial em andamento. Ele afirmou que sua decisão foi motivada por informações que indicavam que a TuSimple estava se preparando para enviar grandes quantias de dinheiro para a China.
A resposta da TuSimple a Hou tem sido igualmente contundente. A empresa ingressou com uma ação própria, alegando roubo de segredos comerciais após Hou lançar sua nova startup de caminhões autônomos, chamada Bot Auto, no Texas no mês passado. “Como fundador que investiu sete anos na construção da TuSimple Holdings Inc. e o maior acionista, tem sido decepcionante ver o valor total do investimento dos acionistas desmoronar em mais de 91% em menos de dois anos sob a liderança de Mo Chen e do presidente e CEO Cheng Lu,” declarou Hou em sua carta ao conselho, apresentada na segunda-feira.
Na semana passada, Hou protocolou sua ação contra a TuSimple e Chen na Corte de Chancelaria de Delaware, conhecida por ter uma postura favorável aos direitos dos acionistas. No documento, ele também pediu que o tribunal adiasse a reunião anual de acionistas da TuSimple, prevista para 20 de dezembro. O objetivo era evitar a implementação de mudanças significativas na governança da empresa antes que a disputa sobre os direitos de voto fosse resolvida. Fontes envolvidas no caso indicam que Hou busca ganhar tempo para angariar o apoio de mais investidores.
Além de Hou e Chen, a TuSimple conta com seu maior acionista, a Sun Dream, que possui uma participação de 11,8%, uma afiliada do conglomerado chinês Sina Corporation, cujo investimento gerou intensa vigilância dos reguladores federais. Os demais grandes acionistas incluem o gigante logístico Traton (com 7,6% de participação), o Vanguard Group (6,1%), o BlackRock (5,6%) e a Camac Partners (5,5%). A Camac também se manifestou solicitando ao conselho que mantenha os fundos da TuSimple em território norte-americano. É relevante mencionar, porém, que antes que Hou possa convencer os acionistas a apoiar sua proposta, ele precisa primeiro retomar o controle sobre suas próprias ações, que são o objeto de sua ação judicial.
Retornando ao acordo de votação de Hou, é importante destacar que na primavera de 2022, um inquérito do Comitê sobre Investimento Estrangeiro nos Estados Unidos levou a TuSimple a revelar que seus empregados haviam dedicado horas pagas em 2021 para trabalhar na Hydron, a startup de caminhões movidos a hidrogênio de Chen, além de compartilhar informações confidenciais com a empresa. Como resultado, Hou foi afastado de seus cargos como CEO, presidente e CTO, embora tenha mantido uma cadeira no conselho. Hou alega que sua demissão foi feita sem justa causa.
O relacionamento entre Hou e Chen se tornou conturbado à medida que ambos se preocupavam com a possibilidade de o conselho estar envolvido em uma tentativa de tomá-lo à frente da empresa. Ambos discutiram a possibilidade de unirem seus poderes de votação para reintegrar Chen ao conselho e restabelecer Hou como CTO, após uma investigação interna acerca das acusações relacionadas à Hydron. O acordo assinado em 9 de novembro de 2022 conferiu a Chen um “procurador e poder de advogado irrevogável” sobre as ações de Hou na TuSimple, abrangendo aproximadamente 13,4 milhões de ações da Classe A e 12 milhões da Classe B. Juntas, as ações de Hou totalizam cerca de 29,7% do poder de votação da TuSimple.
Este acordo, que foi examinado pelo TechCrunch, expirou após dois anos, e Hou argumenta que isso significa que as ações deveriam retornar a ele. Contudo, Chen tem outras ideias sobre a situação. Em um arquivo na Comissão de Valores Mobiliários (SEC) datado de 9 de novembro de 2024, Chen reafirmou sua reivindicação sobre as ações de Hou, afirmando que controla 57,9% do poder de votação da empresa. O arquivo também menciona que, embora o procurador irrevogável realmente tenha sido encerrado, “o acordo de votação e o arranjo de votação correspondente permanecem em plena vigência.” Em outras palavras, embora Hou possa estar na posse das ações, ele ainda precisa votar conforme a direção de Chen.
É digno de nota que, desde que se deslistou voluntariamente do mercado de ações em janeiro, a TuSimple não apresentou atualizações trimestrais, as quais são exigidas para uma empresa que ainda está registrada na SEC. Além disso, a TuSimple está tentando se desregistrar da SEC. Na declaração de procuradoria da TuSimple aos acionistas à frente da próxima reunião anual, foi incluída uma linguagem semelhante em relação ao acordo com Hou, na qual se estará votando sobre a renovação dos seis diretores atuais e sobre a criação de um conselho classificado, ou seja, um conselho escalonado.
Metade da composição atual do conselho da TuSimple é composta por executivos da própria empresa: Chen, Cheng Lu (CEO da TuSimple) e Jianan Hao (COO da TuSimple). Os outros três – James Lu, Zhen Tao e Albert Schultz – são diretores independentes. A aprovação da segunda proposta dificultaria a substituição do conselho em uma única votação, e poderia assegurar o controle de Chen, que efetivamente garantiria que seus diretores preferidos permanecessem no cargo a longo prazo. Uma audiência para acelerar a revisão da queixa de Hou e decidir sobre seu pedido de adiamento da reunião anual da TuSimple está marcada para 2 de dezembro. Até o fechamento desta matéria, a TuSimple não havia retornado aos pedidos de comentários do TechCrunch.