Na última terça-feira, o presidente eleito Donald Trump fez uma declaração que já se alinha com seu estilo inusitado de governar. Trump anunciou a criação do Departamento de Eficiência Governamental, ou DOGE, uma estrutura que será co-liderada pelo polêmico empresário Elon Musk, conhecido por suas investidas no mundo das criptomoedas e, mais especificamente, pelo apoio ao famoso meme que deu origem ao Dogecoin. O nome do departamento não passou despercebido e faz uma clara referência ao popular meme Doge, retratando um adorável Shiba Inu, que se tornou símbolo na cultura da internet e, por tabela, no universo das criptomoedas.
Embora o DOGE não seja uma entidade governamental oficial, uma vez que departamentos desse tipo precisam ser aprovados pelo Congresso, a iniciativa revela mais sobre as conexões entre o humor dos memes modernos e a política contemporânea. Para muitos, a nomeação de Musk é uma extensão de uma piada que ele fez nas redes sociais em agosto, agora transformada em um papel consultivo real na administração Trump. Essa interseção entre a política e o humor digital levanta questões sobre como a cultura meme está moldando o discurso político atual.
Musk, que se tornou um defensor ativo do meme Doge, é uma figura que tem suas raízes fincadas tanto no empreendedorismo quanto nas tendências da internet. O meme Doge começou sua jornada em 2010 com a imagem de um Shiba Inu chamado Kabosu, que conquistou o coração dos internautas pela sua fofura inegável. Contudo, foi em 2013 que a verdadeira ascensão do meme ocorreu, com a adição de frases em uma tipografia cômica que refletiam supostas divagações internas do cachorro em um inglês quebrado. Expressões como “much leaf” e “very pile” rapidamente se tornaram virais, proporcionando um riso instantâneo a muitos, embora, por sua natureza, os memes tenham um ciclo de vida curto.
O surgimento do Dogecoin, uma criptomoeda criada como uma brincadeira em 2013 por dois engenheiros de software, foi uma consequência direta desse fenômeno cultural. Este ativo digital, que inicialmente visava zombar da própria ideia de criptomoeda, cresceu e se reinventou ao longo dos anos, em grande parte graças ao envolvimento ativo de Musk. Ele não apenas anunciou uma missão espacial financiada por Dogecoin através da SpaceX, conhecida como “DOGE-1 Mission to the Moon”, mas também indicou que a Tesla possui uma quantidade indeterminada de Dogecoin, um tópico que gerou polêmica quando Musk foi processado por supostamente manipular o preço da moeda, embora tal processo tenha sido arquivado no início deste ano.
A repercussão da criação do DOGE foi imediata e surpreendente, com o valor do Dogecoin subindo quase 20% na mesma noite em que Trump fez o anúncio. Isso ilustra como a interseção entre o humor digital e a economia pode desencadear reações rápidas e imprevisíveis no mercado. No entanto, o comprometimento de Musk com as suas táticas baseadas em memes não é algo novo; um exemplo notório foi a controvérsia sobre o financiamento da Tesla, marcada pela famosa piada “420” que gerou um grande alvoroço entre investidores e reguladores.
Os memes têm uma longa trajetória na política, e a história recente do Partido Republicano a revela. Durante o último mandato de Trump, o meme Pepe the Frog, criado pelo artista Matt Furie, tornou-se um símbolo associado à alt-right. Inicialmente, Pepe era uma simples representação de um jovem que só queria aproveitar a vida, mas, com o tempo, o seu significado e uso na internet se distorceram, passando a associar-se com movimentos extremistas, o que levou a Anti-Defamation League a classificá-lo como um símbolo de ódio.
Assim como Pepe, o Doge se vê à beira de um caminho semelhante. Enquanto o meme de Kabosu captura o fôlego da cultura de memes atuais, a associação com uma administração e uma figura como Musk pode rapidamente transitar entre o humor inocente e a política carregada de implicações mais sérias. O que antes era apenas uma imagem fofa pode se transformar em um símbolo para algo além do que originalmente se pretendia. Isso nos leva a refletir: até onde a ironia dos memes pode se entrelaçar com a seriedade da política? Até que ponto uma brincadeira pode ser ressignificada para servir a propósitos muito mais ambiciosos e controversos? O que podemos garantir é que Kabosu, o Shiba Inu, pode não ter a última palavra em sua jornada como um ícone cultural.