No contexto atual das finanças digitais, o mercado de stablecoins se destaca por sua trajetória impressionante. Em um período marcado por 11 meses consecutivos de crescimento, a capitalização total do mercado atingiu o notável patamar de $171 bilhões. Este fenômeno atraiu diversos agentes do setor, incluindo aqueles que inicialmente viam as stablecoins como uma ameaça a seus modelos de negócios. Um exemplo claro desse movimento é a Visa, que lançou uma plataforma voltada para ajudar as instituições financeiras a emitirem stablecoins e utilizá-las em sua rede, tendo o banco espanhol BBVA como um dos primeiros a adotar essa tecnologia. Além disso, o lançamento do PYUSD pela PayPal em 2023, que rapidamente alcançou uma capitalização de mercado de $1 bilhão, ilustra a crescente aceitação e utilidade das stablecoins. Não é de se surpreender que até mesmo empresas como a Revolut estejam considerando lançar suas próprias stablecoins, enquanto a Stripe finalizou um acordo significativo de $1,1 bilhão com uma plataforma de stablecoin renomada. Essa dinâmica revela não apenas a viabilidade das stablecoins, mas também a competitividade do setor.
As stablecoins se mostraram especialmente úteis, funcionando como um depósito estável de valor e uma alternativa viável para pagamentos e comércio, sobretudo em transferências internacionais, colaterais de trading e liquidações comerciais entre o sistema financeiro tradicional e as redes blockchain. Os ativos subjacentes a essas moedas, muitas vezes compostos por títulos do governo dos Estados Unidos ou outros instrumentos de renda fixa de curto prazo, garantem aos emissores um rendimento constante.Embora gigantes como a Tether e a Circle se beneficiem amplamente desse modelo, novas empresas que estão entrando no mercado estão buscando uma abordagem inovadora: elas estão passando a renda aos usuários para capturar uma fatia maior do mercado. Um exemplo recente dessa tendência é a Ethena Labs, que lançou em fevereiro de 2024 sua stablecoin sUSDe, oferecendo rendimentos consistentes e, até agora, acumulou mais de $1,2 bilhão em capitalização de mercado. Outras empresas, como a Mountain Protocol e a Paxos International, estão em busca de modelos semelhantes, onde a renda dos ativos subjacentes é transferida diretamente aos usuários. Além disso, a introdução de produtos como o USDS da BitGo e o USDG da Global Dollar Network promete alavancar recompensas em suas ecossistemas.
Entretanto, apesar do apelo dos stablecoins geradores de rendimento, sua utilização é frequentemente restrita nas principais regiões financeiras como os Estados Unidos, já que se enquadram na definição de títulos, operando à margem da supervisão regulatória. Essa impasse regulatório abriu espaço para uma nova classe de concorrentes que desafia o domínio das stablecoins: os instrumentos tokenizados que geram rendimento, como os fundos de mercado monetário. Esses produtos, regulamentados pela SEC sob o Investment Company Act de 1940, oferecem vantagens semelhantes às stablecoins, como valor estável, facilidade de transferência e utilidade em liquidações, ao mesmo tempo em que proporcionam retornos consistentes através de investimentos em títulos do governo, obrigações e equivalentes de caixa.
Com líderes do setor como BlackRock e Franklin Templeton se posicionando precocemente nesse campo, já foi reportado que esses fundos tokenizados conseguiram arrecadar quase $1 bilhão em ativos. A expectativa é de que mais empresas sigam o caminho das pioneiras, e a State Street já está desenvolvendo um fundo tokenizado que combina obrigações e mercado monetário. O mais intrigante é que a BlackRock está avançando no uso de seu fundo de mercado monetário tokenizado e do token BUIDL como colateral para trading de derivativos em exchanges de finanças descentralizadas (DeFi). Essa escolha se torna ainda mais clara quando se observam as vantagens que os traders teriam ao empregar o BUIDL como colateral, pois poderiam continuar a ganhar rendimento enquanto o fazem. Isso levanta uma questão pertinente: será que os emissores de stablecoins estão competindo por um mercado que rapidamente está se transformando?
A oportunidade de mercado para fundos de mercado monetário tokenizados como fonte de colateral está, por enquanto, restrita às finanças descentralizadas, que, segundo a IBS Intelligence, devem alcançar $48 bilhões até 2031. Para efeito de comparação, a capitalização do mercado acionário dos Estados Unidos supera $50 trilhões, segundo dados da World Federation of Exchanges (WFE) e da Securities Industry and Financial Markets Association (SIFMA). É claro que o verdadeiro prêmio para esses instrumentos financeiros reside em suas aplicações nos mercados financeiros tradicionais, à medida que evoluem de uma plataforma eletrônica para uma digital.
No entanto, essa evolução requer avanços significativos na infraestrutura de mercado subjacente, a fim de possibilitar a utilização ampla de fundos tokenizados como proxy para stablecoins ou fontes de colateral. No estado atual, os produtos da BlackRock e da Franklin Templeton operam em redes fechadas, acessíveis a investidores selecionados, com uma interoperabilidade limitada entre diferentes plataformas blockchain. Para liberar todo o potencial dos fundos tokenizados, é necessária uma infraestrutura de mercado pública que apoie a negociação, liquidação, compensação e custódia de valores mobiliários digitais. A ausência de uma estrutura de mercado abrangente nos Estados Unidos, que suporte o ciclo completo de negociação de valores mobiliários digitais, limita o acesso a esses instrumentos geradores de rendimento nos mercados financeiros mais amplos — pelo menos por enquanto.
Com a crescente adoção de tokens regulados que geram rendimento, respaldados por gigantes financeiros, e a evolução da infraestrutura de mercado para suportá-los, os emissores de stablecoins podem se ver em uma luta por um mercado cada vez menor. Os fundos tokenizados de mercado monetário oferecem não apenas estabilidade e liquidez, mas também supervisão regulatória e retornos constantes — qualidades que podem redefinir o cenário de ativos digitais e deixar as stablecoins tradicionais lutando para se manter relevantes.