A Ásia do Sul tem testemunhado um protagonismo notável das mulheres em protestos, especialmente na Índia, Bangladesh e Paquistão. Recentemente, o caso brutal de um médico estagiário em West Bengal gerou ondas de indignação e mobilização feminina. As mulheres não apenas saíram às ruas, mas também lideraram esses protestos, em busca de suas reivindicações por segurança e pelos seus direitos. No entanto, esse aumento da participação feminina se depara com uma retaliação fortemente alinhada ao gênero, dificultando a continuidade e a efetividade desses movimentos. Este fenômeno ilustra tanto as vitórias quanto os desafios persistentes enfrentados pelas mulheres na busca por justiça e igualdade.
O caso que provocou uma série de manifestações foi o assassinato de uma médica estagiária em um hospital, que chocou a sociedade indiana e inspirou milhares a tomarem as ruas sob o lema “Reclaim the Night”. Entre os muitos que participaram estava Meghamala Ghosh, de 23 anos, que se sentiu dividida entre sua vontade de se unir ao protesto e os instintos de autocuidado aprendidos em uma cultura permeada pela violência sexual. Em seus relatos, Ghosh expressou o medo e a ansiedade que a acompanharam durante toda a manifestação e o caminho de volta para casa, onde enfrentou olhares libidinosos de homens em um momento delicado.
“Assim que eram 12 horas, a sensação de que estava ficando tarde me assolou. Uma constante no meu pensamento,” compartilhava Ghosh, enfatizando a luta interna entre a liberdade de protestar e as limitações impostas por um ambiente hostil. Esse sentimento foi compartilhado por muitas outras mulheres, que relataram experiências de intimidação e assédio de homens durante o ato, o que levantou questões sobre a real possibilidade de “reivindicar a noite” em circunstâncias onde ela nunca foi verdadeiramente delas.
A onda de protestos das mulheres: um movimento crescente enfrentando opressão
As ativistas e organizadoras observam que esse aumento da presença feminina nas manifestações é um reflexo do crescente ativismo em toda a região. Segundo Heather Barr, diretora associada da divisão de direitos das mulheres da Human Rights Watch, as mulheres têm sido fundamentais em protestos em países como Índia, Bangladesh e Paquistão, mas agora estão assumindo papéis de liderança e se tornam as principais protagonistas nas lutas sociais.
A luta em nome dos direitos das mulheres, no entanto, não é isenta de desafios. Uma tendência alarmante nota um backlash de gênero contra esse aumento de participação. Durante os protestos, muitas mulheres enfrentaram táticas especificamente projetadas para silenciar suas vozes e desmobilizar sua resistência, incluindo assédio físico, verbal e intimidação social. Isso fortalece um padrão de violência direcionado a elas simplesmente por expressarem suas opiniões e se posicionarem na defesa de seus direitos.
“A misoginia e a marginalização são realidades que afligem as vidas das mulheres em todo o mundo, mas as atitudes sociais conservadoras em relação ao gênero são muito mais pronunciadas na Ásia do Sul,” afirma Barr. No contexto indiano, dados do governo apontam a ocorrência de uma violação sexual a cada 17 minutos. Apesar das mudanças legislativas após protestos que se seguiram a um caso amplamente publicitado em 2012, a realidade do assédio sexual persiste. Para mulheres como Ghosh, essa violência não é apenas estatística: é uma experiência cotidiana.
A participação de mulheres também se destaca em protestos no Paquistão, onde figuras como Sammi Deen Baloch emergiram como vozes proeminentes na luta contra desaparecimentos forçados. Originalmente, aos 10 anos, Baloch se tornou ativista depois que seu pai foi sequestrado. Desde então, ela se dedicou a protestar contra a opressão de seu povo, enquanto enfrentava a realidade de ameaças e intimidações que frequentemente são direcionadas a mulheres que se atrevem a desafiar as autoridades.
Da mesma forma, em Bangladesh, onde a violência de gênero e a marginalização social são endêmicas, a jovem ativista Nazifa Jannat enfatiza a importância do papel das mulheres nas manifestações. “Sinto que, atualmente, há uma disposição maior para apoiar mulheres em posições de liderança, independentemente do que a sociedade ou a família tenham a dizer”, afirma. Contudo, essa nova confiança traz consigo o peso de pressões sociais e familiares que muitas vezes podem se transformar em obstáculos significativos para a liderança feminina.
O custo do ativismo: ameaças e violência
A crescente visibilidade das mulheres nos protestos não vem sem riscos. Khadijah Shah, uma ativista que se destacou durante a repressão violenta contra os manifestantes que apoiavam o ex-primeiro-ministro Imran Khan, relata ameaças diretas de violência sexual e retaliação após sua participação. “Minha imagem foi compartilhada em toda parte, pessoas convocando meu estupro e pedindo para que eu fosse desmembrada,” lembra ela. Shah pagou um preço alto por sua coragem, passando meses na prisão e enfrentando ameaças constantes contra sua família, uma tática frequentemente empregada para silenciar ativistas femininas.
Esta violência de gênero dirigida às ativistas é uma tática de repressão que visa deslegitimar e desestabilizar movimentos sociais por meio do medo. Uyangoda, um especialista em defesa de Direitos Humanos, observa que essas mulheres muitas vezes enfrentam um medo constante de violência sexual como uma arma contra sua participação política. Mesmo em um cenário de protesto coletivo, a presença masculina das forças de segurança pode intensificar esse clima de opressão, colocando as mulheres em uma posição vulnerável problemática.
As vozes femininas, entretanto, não se deixam silenciar facilmente. Barr nota que, à medida que essas mulheres demonstram resiliência e determinação, elas não apenas desafiam a retaliação, mas também oferecem esperança. “À medida que as mulheres ao redor do mundo levantam suas vozes, suas ações amplificam a luta por mudanças significativas que vão além das simples representações; elas buscam uma reforma real e duradoura,” reflete.
Perspectivas futuras: um chamado por mudança coletiva
No entanto, a jornada ainda é longa, e as esperanças de representatividade política e direitos duradouros para as mulheres permanecem incertas. Embora as manifestações de ativistas como Ghosh, Baloch, Shah e Jannat sejam um sinal de resistência, sua luta é apenas o começo de um processo que deve se concretizar em uma mudança concreta nas estruturas de poder. A verdadeira questionamento persiste: “Qual será a voz das mulheres no governo futuro?”
“Se não agora, então quando?” provoca Jannat, enfatizando a urgência de suas mensagens. Não há dúvida de que, apesar da retaliação, as mulheres da Ásia do Sul continuam a lutar incansavelmente por suas vidas e seus direitos, impulsionadas pela certeza de que cada ato de resistência pode ser o início de algo maior.