Na noite amena de meados de outubro, cerca de 1.500 convidados chegaram ao Beverly Hills Temple of the Arts, situado na Avenida Wilshire, onde se depararam com uma sequência de rigorosas medidas de segurança. Armados, guardas vigiavam a entrada, enquanto os visitantes passavam por detectores de metal e apresentavam documentos de identidade antes de assume os seus lugares no histórico Saban Theater.
Esse cerco de segurança antecipava o que estava por vir na tela, a estreia americana do documentário Oz’s List: The Journey of Oz Davidian, obra israelense que retrata o ataque terrorista de 7 de outubro de 2023 em Israel, um evento que serviu como catalisador para o atual conflito no Oriente Médio.
A película, com duração de uma hora e veiculada originalmente em hebraico, narra a incansável jornada de Oz Davidian, um agricultor e advogado de 53 anos. Ele colocou sua vida em risco ao resgatar aproximadamente 120 jovens israelenses que buscavam abrigo enquanto centenas de terroristas do Hamas se deixavam levar pelo pavor, atirando, torturando e fazendo reféns os que se encontravam no local de um festival de música outrora pacífico.
Com um veículo Mitsubishi 4×4 fornecido pelo governo israelense, equipado com câmeras automáticas, Davidian conduziu sua missão, portando apenas uma pistola e um carregador como proteção. Em um dia que parecia interminável, ele realizou cerca de 15 viagens para resgatar os aterrorizados festivaleiros, enquanto balas disparadas pelos terroristas cortavam o ar ao redor de seu veículo.
Muitos presentes na cerimônia não puderam conter as lágrimas diante do relato comovente das ações heroicas de Davidian no dia fatídico. A atmosfera estava impregnada de emoção, enquanto a narrativa se entrelaçava com imagens reais provenientes das câmeras do caminhão. “Foi uma história incrível”, comentou um espectador. “Principalmente quando ele teve que passar por todos aqueles corpos. O que ele fez demandou uma coragem imensa.”
Entretanto, apesar da recepção calorosa da plateia e da mensagem de heroísmo e inspiração transmitida pelo documentário, há uma notável dificuldade para que essa obra, produzida pela estação de TV israelense Reshet 13, encontre um espaço no cenário midiático americano. As críticas e os receios relacionados à temática do Oriente Médio ainda permanecem presentes na indústria do entretenimento.
“Existem pessoas audaciosas e outras que não têm coragem”, observa Bill Mechanic, um veterano produtor, referindo-se ao clima político atual em Hollywood. Ele afirma que muitos na indústria não irão se arriscar a tocar em tópicos tão sensíveis. “As pessoas que vivem amedrontadas não vão querer arriscar seus trabalhos.”
Os receios que permeiam o setor não são infundados, considerando-se que a questão do Oriente Médio se tornou um tabu entre os produtores de conteúdo. Casos recentes revelam como figuras de destaque têm enfrentado sérias consequências por suas opiniões. O agente da WME, Brandt Joel, na tentativa de se expressar em um grupo de WhatsApp pró-Israel, fez um comentário imprudente que rapidamente custou sua carreira. Outro exemplo é a atriz Susan Sarandon, que também sofreu as consequências de seu ativismo e foi demitida após fazer declarações controversas em uma manifestação.
A polarização em torno do tema se reflete até em obras mais antigas, que passaram a ser alvo de recriminações recentes. A série Fauda, que anteriormente era bem recebida por sua narrativa envolvente, agora enfrenta críticas a respeito da glorificação da ocupação. Documentários como The Occupation of the American Mind têm sido classificados de anti-semitas por comunidades judaicas, enquanto árabes alegam que sua mensagem distorce a luta deles.
Nesse clima cauteloso, a dificuldade em encontrar um espaço para Oz’s List em Hollywood é compreensível. “Estamos vivendo em um mundo de cabeça para baixo”, diz Garth Ancier, um executivo da TV que acredita que tanto amigos judeus quanto árabes têm visões extremamente limitadas. “É complicado convencê-los a ver um lado diferente”, observa Ancier.
Adicionalmente, o documentário enfrenta desafios em termos de comercialização. Sendo um filme em hebraico e apresentando conteúdo violento e angustiante, é difícil para plataformas de streaming aceitarem essa forma de arte. “Obviamente o conteúdo é gráfico”, afirma Dan Rayburn, consultor em mídia. “Plataformas não querem veicular mortes reais.”
Os produtores de Oz’s List estão cientes do desafio pela frente e estão trabalhando em uma versão “internacional”, que inclui narração em inglês e novas imagens, para tentar potencializar as chances de sucesso . “Estamos considerando um filme apresentando uma narrativa autônoma que difere do documentário”, explica Yossi Eli, um correspondente de guerra israelense envolvido na produção.
Além disso, a equipe está focada em inscrever o filme em festivais e prêmios, na esperança de que seu valor artístico seja reconhecido além das fronteiras israelenses. Davidian, por sua vez, voltou à sua vida tranquila com a esposa e quatro filhas, mantendo contato com muitos dos que ele resgatou durante a tragédia. Recentemente, ele recebeu a mais alta honraria civil do Estado de Israel por sua bravura.
Essas honrarias são um testemunho do impacto moral e emocional da sua jornada, provando que mesmo em meio ao caos, o altruísmo e a bravura podem prevalecer.