Santa Fe é um lugar onde a história se entrelaça com a modernidade, um espaço que preserva as tradições de seus primeiros habitantes. A capital do Novo México não apenas abriga galerias de arte contemporâneas em edifícios de estilo Pueblo, mas também é um centro dedicado às artes nativas, com o famoso Mercado da Praça, onde artesãos indígenas apresentam suas criações. Dentro desse cenário vibrante e culturalmente rico, destaca-se o Sundance Native Lab, localizado no Hotel Santa Fe, um empreendimento majoritariamente de propriedade da tribo Picuris. Desde sua fundação, o Sundance Native Lab tem sido um ponto de passagem crucial para quase todos os criadores indígenas proeminentes que atuam em Hollywood.

Em 2024, o laboratório acolheu uma nova turma composta por quatro bolsistas e dois artistas em residência que se reuniram com a equipe do Programa Indígena do Sundance e consultores da indústria. Durante uma semana repleta de leituras de roteiros e sessões individuais em um ambiente informal, uma questão crucial surgiu: “Para quem você está escrevendo?” Embora essa pergunta possa parecer familiar em qualquer curso de roteirização, ela se torna particularmente urgente em comunidades indígenas ao redor do mundo. O momento atual é notável, pois há uma crescente quantidade de projetos liderados por nativos que estão ganhando espaço na cultura pop. Assim, a reflexão que perpassa o laboratório se torna clara: como os artistas indígenas podem aproveitar as oportunidades sem perder sua soberania narrativa?

Apesar dos avanços relativos, retratos de indígenas em Hollywood ainda são predominantemente controlados por criadores não indígenas, e frequentemente se concentram em personagens brancos. Desde Killers of the Flower Moon de Martin Scorsese até a franquia Yellowstone de Taylor Sheridan, permanece evidente que ainda há muito a ser feito. “Uma das dificuldades trazidas pelo foco em Hollywood nas comunidades indígenas é que muitas vezes somos solicitados a atuar como consultores culturais, quando na realidade temos muito mais a oferecer criativamente como contadores de histórias”, afirma Charine Pilar Gonzales, uma das participantes do laboratório.

Adam Piron, diretor do Programa Indígena, reflete sobre os desafios enfrentados pelas comunidades indígenas na indústria cinematográfica e elogia os avanços mais recentes, incluindo produções notáveis como a série Reservation Dogs, que ganhou uma indicação ao Emmy, e outros projetos significativos como Echo e Rutherford Falls. Muitas vezes, essas produções são criadas por indivíduos com laços diretos com o Sundance. Por exemplo, Chris Eyre, produtor executivo de Dark Winds, também foi um alumni do laboratório e teve seu filme Smoke Signals desenvolvido nas oficinas do Sundance, sendo esse o primeiro longa-metragem mainstream criado por nativos.

Com um foco nos recursos narrativos e em roteiros de pilotos, em vez de projetos anteriores que abrangiam curtas-metragens ou documentários menos comerciais, o laboratório reflete as oportunidades reais disponíveis para os criadores nativos na atualidade. Piron explica que a equipe sempre se esforçou para alinhar suas ofertas às necessidades e aos desejos dos artistas nativos. Para Gonzales, a busca pela televisão é real; ela é a única contemplada de 2024 com um projeto episódico que trata de uma aluna que descobre habilidades especiais e luta para resguardar sua terra natal. “Eu me sentia perdida à medida que tentava equilibrar a comercialização e a autenticidade de minha narrativa”, diz Gonzales, que destaca a importância do espaço oferecido pelo Sundance como um lugar onde os artista indígenas podem ser genuínos sem a pressão do mercado.

Trabalhando em um ambiente seguro onde todos compartilham experiências culturais e espirituais, o laboratório garante um espaço de acolhimento para cada artista. A criação de laços é uma parte essencial do que as experiências oferecem aos participantes. Tai Leclaire, um dos bolsistas que se tornou conselheiro, destaca que das oportunidades que surgiram após sua participação no programa, o mais significativo foi a formação de uma comunidade em torno de seus interesses artísticos e culturais. “Nós, como indígenas, infundimos uma parte significativa de nossa cultura em nosso trabalho, onde a relação se estabelece entre o que podemos oferecer à nossa cultura”, diz Tai.

Um ponto-chave discutido entre os participantes é a determinação de escrever para as comunidades indígenas, descartando a pressão de um público branco. Com a indústria passando por transformações e buscando soluções criativas para uma nova era, os conselheiros concordam que os artistas devem priorizar suas vozes autênticas. Patrick Brice, cineasta e conselheiro do laboratório, enfatiza que a combinação de questões pessoais e as realidades políticas tornam a produção significativa. “Nada pode ser separado.” Dessa maneira, o laboratório se propõe a reforçar que a criação de histórias verdadeiramente significativas reverbera além da projeção cinematográfica — elas influenciam uma mudança social e cultural.

Com a pressão crescente e o aumento no número de artistas indígenas se destacando na tela, o futuro parece promissor, mas desafiador. A próxima reunião do grupo será durante o festival Sundance de 2025, onde novas histórias e inspirações serão compartilhadas. Adam Piron vê isso como um sinal de que a influência indígena na indústria do entretenimento é mais do que uma onda passageira; é uma maré que está moldando um novo ecossistema de narrativas. Afinal, a resiliência dos povos indígenas é um testemunho de sua longa trajetória, sempre se adaptando e prosperando em um cenário em constante evolução.

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