O universo de My Hero Academia, criado por Kohei Horikoshi, apresenta uma rica tapeçaria de heróis, vilões e suas complexas relações, explorando a dinâmica de uma sociedade que lida com as consequências de superpoderes, conhecidos como quirks. Entretanto, por trás desse enredo fascinante, existem sérias questões sociais que são frequentemente levantadas e, algumas vezes, esquecidas ao longo da narrativa. Um dos tópicos mais discutíveis que emergem da série é o conceito de casamentos de quirks, que, apesar de sua introdução, não recebe a devida atenção na resolução do enredo. Esta prática, que permite a união de dois indivíduos com quirks diferentes visando a criação de filhos potentes, levanta questões éticas e reflexões sobre os direitos humanos em um contexto que remete a realidades preocupantes presentes na sociedade contemporânea.

O fenômeno dos casamentos de quirks é particularmente problemático e caracterizado por uma abordagem que simplifica a humanidade das pessoas envolvidas. Inicialmente apresentado como uma prática comum entre as famílias ricas, a premissa sugere uma forma de comércio humano, onde indivíduos são praticamente comprados para assegurar a continuidade da linhagem de superpoderes. Por meio do personagem Shoto Todoroki, a série revela informações dignas de nota. No episódio 19, um momento sutil, mas crucial, destaca como seu pai, Endeavor, optou por se casar com Rei Himura não por amor, mas pela busca de um quirk que complementasse o seu. O investimento financeiro no casamento de Rei é uma evidência clara de que os laços familiares foram forjados em uma relação de dominância e subserviência.

Durante sua conversa com Midoriya, Shoto explica que essa prática é amplamente considerada antiética. No entanto, o que torna a situação ainda mais irônica é o fato de que aqueles que estão em posições de poder se equiparam a qualquer consequência negativa associada a tal escolha. Neste sentido, os casamentos de quirks podem ser vistos como uma forma moderna de escravidão, onde o desejo de figuras poderosas ultrapassa o bem-estar dos indivíduos em questão, revelando um aspecto sombrio que contrasta com a ideia heroica estipulada na narrativa da série.

Apesar da relevância do tópico, os casamentos de quirks, uma vez introduzidos, foram rapidamente esquecidos, especialmente quando a série começou a se aproximar de seu clímax. No arco da Guerra Final, no qual a série alcança seu clímax, a oportunidade de abordar essa questão e provocar uma mudança significativa na sociedade dos heróis parece ter passado. Mesmo quando Endeavor reflete sobre as consequências de suas ações, ele não toma qualquer iniciativa para melhorar a vida daqueles que ainda sofrem com os efeitos desse sistema. Para adicionar a isto, é alarmante observar que Shoto, agora um renomado herói, parece ter perdido de vista a luta contra essa prática opressiva, evidenciada pela falta de menção em capítulos posteriores da narrativa, onde ele se destaca, mas não se posiciona contra esta realidade.

Ainda mais preocupante é a crítica levantada por fãs nos capítulos finais de My Hero Academia, que apontam a sensação de que muitas questões não foram tratadas adequadamente, criando um fechamento insatisfatório para conflitos importantes. Esta falta de atenção ao assunto dos casamentos de quirks, assim como a desigualdade enfrentada pelos heteromorfos, reflete uma escolha narrativa que poderia ter beneficiado de uma maior exploração. Mesmo com a significativa contribuição da série para a discussão de outras temáticas sociais contemporâneas, como a discriminação e a desigualdade, o fato de que não se chegou a um entendimento adequado acerca da prática dos casamentos de quirks deixa um vazio na conclusão da história. Essa ausência de desenvolvimento e resolução do problema das relações opressivas não só denota um descuido com o crescimento dos personagens, mas também a chance perdida de iluminar um aspecto sombrio da sociedade.

Embora My Hero Academia permaneça como uma obra apreciada por muitos, e digna de nota por suas discussões sobre a ética e os direitos humanos, é lamentável que um de seus temas mais perturbadores tenha sido relegado ao esquecimento, não merecendo uma conclusão digna. Neste sentido, a narrativa pode perder profundidade ao não abordar como os heróis, que deveriam lutar por justiça, também podem ser cúmplices de um sistema opressivo que perpetua a desigualdade. O legado da série eternamente permanecerá no coração dos fãs, mas será perpetuado também a ideia de que há muito a ser discutido e considerado frente à realidade que ela espelha, especialmente no que diz respeito aos direitos humanos e ao modo como as relações humanas são configuradas em um mundo ainda em conflito.

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