Na vanguarda da interseção entre arte e tecnologia, um retrato do famoso cientista britânico Alan Turing, criado por um robô de inteligência artificial, foi leiloado por impressionantes US$ 1,08 milhão. O valor exorbitante não apenas estabeleceu um novo recorde para uma obra de arte feita por um robô humanoide, mas também despertou reflexões profundas sobre o papel da inteligência artificial no mundo da arte contemporânea.
A obra, intitulada “AI God: Portrait of Alan Turing”, foi criada por Ai-Da, um robô artista que se destaca pela sua capacidade de comunicação e criatividade. Ai-Da, que tem um corte de cabelo característico e braços robóticos, foi projetada por Aidan Meller, um galerista britânico, e utiliza modelos de linguagem avançados para desenvolver suas obras. O leilão, realizado pela Sotheby’s em Nova York, superou em muito a estimativa pré-leilão de US$ 120.000 a US$ 180.000, atraindo 27 lances antes de ser vendido a um comprador não revelado.
Este marco no mercado de arte levanta questões instigantes sobre a natureza da criatividade e o que significa ser humano em um mundo cada vez mais dominado por algoritmos e máquinas. Turing, conhecido por seus trabalhos pioneiros que estabelecem as bases da computação moderna e por seu papel crucial na decodificação de comunicações alemãs durante a Segunda Guerra Mundial, também sofreu em sua vida pessoal, tendo sido condenado e submetido a castração química em virtude de sua orientação sexual. Sua trágica morte em 1954 adiciona uma camada de complexidade ao retrato, transformando-o em uma evocativa lembrança da luta pela aceitação e pela dignidade humana.
De acordo com Meller, a criação de Ai-Da serve como um “espelho de onde estamos indo”. Ele acredita que as obras da robô podem oferecer uma visão incrivelmente importante sobre o futuro da sociedade e da inteligência artificial. “Estamos entrando em um mundo pós-humano onde a tomada de decisão não é mais humana; é cada vez mais algorítmica, porque vimos que é confiável… A arte de Ai-Da está realmente mostrando o futuro potencial do que poderíamos alcançar”, comentou.
A venda de “AI God” representa uma mudança significativa na forma como a arte gerada por inteligência artificial é percebida e valorizada. Meller assemelha este fenômeno à invenção da câmera, que transformou o mundo da arte ao permitir novas formas de representação. No entanto, essa nova tecnologia não é isenta de críticas. Para alguns, como o crítico de arte Alastair Sooke, a obra de Ai-Da é simplesmente uma versão sofisticada de tecnologias anteriores, como as notícias sobre animais de fazenda que supostamente podem pintar. Ele argumenta que essa percepção pode subestimar o impacto que a arte robótica pode ter.
O processo criativo de Ai-Da é fascinante. Antes de começar a pintar, ela participa de discussões com seus criadores sobre o que gostaria de representar. Neste caso, o tema “A.I. for good” levou Ai-Da a considerar Alan Turing como uma figura central na história da inteligência artificial. O robô usou suas câmeras para examinar fotos de Turing e fez esboços preliminares. A pintura final é uma colagem de diferentes interpretações, com partes do rosto de Turing tendo sido pintadas individualmente e depois combinadas em uma imagem coesa.
Além disso, como Ai-Da possui limitações em termos de espaço físico para pintar, suas obras finais são impressas em uma tela maior utilizando impressão 3D. Esse processo garante que não haja alteração na imagem subjacente, preservando a essência da criação original. A contínua atualização da tecnologia utilizada por Ai-Da demonstra a crescente agência e inovação no campo da arte robótica.
Com isso, não apenas o mundo da arte é desafiado, mas também as questões éticas e sociais relativas ao avanço da tecnologia são levantadas. Ai-Da declarou: “‘AI God’, um retrato do pioneiro Alan Turing, convida os espectadores a refletir sobre a natureza quase divina da inteligência artificial e da computação, considerando as implicações éticas e sociais desses avanços. Alan Turing reconheceu esse potencial, e agora ele nos observa enquanto avançamos em direção a esse futuro.”
Assim, o retrato de Alan Turing por Ai-Da não é apenas uma obra de arte; é um provocador diálogo sobre o que significa ser humano em uma era de máquinas pensantes. À medida que a tecnologia avança, a ideia de um mundo onde a arte e a criatividade são cada vez mais influenciadas por inteligência artificial pode parecer alucinante, mas também é uma realidade que nos convida a refletir sobre nossos próprios valores e identidades.