A abdicação do cargo de comissária para a concorrência da União Europeia traz à tona reflexões profundas e preocupantes sobre o papel da regulação em um cenário dominado pelas gigantes da tecnologia. Margrethe Vestager, reconhecida mundialmente por suas iniciativas ousadas contra empresas como Apple e Google, expressou, em uma entrevista ao New York Times, um sentimento de arrependimento por não ter agido de forma mais acelerada e contundente durante sua gestão. Vestager reconheceu que sua atuação ao longo de quase uma década à frente do Comitê de Concorrência da UE foi apenas “parcialmente bem-sucedida”, uma afirmação que provoca muitas perguntas sobre o futuro da regulação tecnológica na Europa e no mundo.
No contexto atual, onde plataformas digitais dominam a experiência online dos consumidores, a declaração da comissária ressalta a lutas constantes que reguladores enfrentam para equilibrar inovação e concorrência. Apesar dos bilhões em multas aplicadas pelo escritório de Vestager, as maiores corporações da tecnologia ainda exercem um controle significativo, sugerindo que as ações tomadas até agora talvez não tenham sido suficientes para alterar a dinâmica do mercado. Um fato notável é que a real eficácia das regulamentações da UE, como a Lei de Mercados Digitais, que Vestager ajudou a introduzir, levará anos para ser plenamente avaliada. Portanto, a verdadeira herança de sua administração pode levar tempo para ser compreendida e inserida no contexto das transformações digitais.
O sentimento de arrependimento expressado por Vestager não deve ser subestimado, pois ele reflete uma frustração compartilhada por muitos ao redor do mundo que observam o crescente domínio das grandes tecnologias, cujas práticas muitas vezes desafiam uma concorrência saudável. Em sua entrevista, ela apontou que, com a iminente administração de Trump nos Estados Unidos, a oportunidade de redefinir as regras da internet pode estar se esvaindo. Em um tom que mescla urgência e necessidade de defesa, Vestager aconselhou reguladores de todos os lugares a serem “mais ousados”. Isso sugere que a mudança não vem apenas do desejo de proteção ao consumidor, mas também da necessidade de enfrentar os poderosos interesses industriais que moldam o espaço digital.
A frase de Vestager, “Estamos no negócio de deter práticas desleais”, reitera a importância da ação regulatória e do poder que as autoridades possuem para(sem mais delongas) enfrentar as grandes corporações. Sua referência à proposta do Departamento de Justiça dos Estados Unidos de dividir o Google exemplifica como a força e a determinação dos reguladores podem influenciar o mercado. Um argumento válido, já que a ausência de ações significativas pode resultar em um panorama onde as gigantes da tecnologia se sentem livres para operar sem restrições. “Se não utilizarmos, de vez em quando, nossas ferramentas mais poderosas, não haverá dissuasão”, concluiu Vestager. Essa é uma observação essencial, considerando que os impactos positivos da regulação não são instantâneos, mas se desenvolvem ao longo do tempo, refletindo na competitividade do mercado e na proteção dos direitos dos consumidores.
Ao analisarmos o legado de Margrethe Vestager, torna-se evidente que suas ações, embora significativas, não foram suficientes para redesenhar a paisagem monopolista do setor tecnológico. Ela deixou claro que o caminho à frente requer não apenas uma mudança nas regulamentações, mas também uma coragem renovada para suprimir práticas anticompetitivas que afetam a sociedade contemporânea. A expectativa sobre o que vem a seguir no âmbito regulatório é enorme, e espera-se que a próxima geração de líderes siga o exemplo de Vestager, não hesitando em usar as ferramentas disponíveis para proteger mercados e consumidores. Assim, a reflexão dela se transforma não apenas em um lamento, mas em um convite à ação, um apelo por inovação regulatória que possa, de fato, democratizar o espaço digital e oferecer um futuro mais equitativo e acessível.