A revolução tecnológica na África está em pleno andamento, com um foco crescente em fintechs inovadoras que estão moldando o futuro econômico do continente. Recentemente, TymeBank da África do Sul e Moniepoint da Nigéria alcançaram um marco significativo ao garantir avaliações superiores a um bilhão de dólares, tornando-se os mais novos membros do seletivo clube dos unicórnios. Mas, por trás dessas impressionantes cifras, reside uma história de inovação que vai muito além da mera atração de investimentos. O que realmente impulsiona essas empresas é a capacidade de adaptar modelos financeiros disruptivos, inicialmente desenvolvidos em economias maduras, para atender as necessidades de uma região onde quase metade da população ainda não possui acesso a serviços bancários.
O principal objetivo das duas fintechs é claro: simplificar o acesso à banca para indivíduos e empresas em duas das maiores economias da África. TymeBank começou sua trajetória oferecendo contas bancárias de baixo custo e produtos de poupança voltados para o consumidor varejista, expandindo posteriormente para o setor de negócios, ofertando capital de giro para pequenas empresas na África do Sul. De maneira similar, Moniepoint iniciou suas operações na Nigéria, oferecendo serviços essenciais como contas, pagamentos, empréstimos e ferramentas de gestão de despesas aos pequenos negócios e, recentemente, diversificou suas ofertas para incluir serviços de banco de varejo.
O que diferencia TymeBank e Moniepoint é a adoção de uma abordagem híbrida ao serviço bancário, combinando a conveniência do comércio digital com pontos de contato físicos no mundo real. Lexi Novitske, sócia da Norrsken22, uma investidora do TymeBank, destaca que “na África, é um dilema: não dá para ter uma coisa sem a outra.” Muitas empresas de tecnologia precisam construir aquisição e engajamento de clientes através de esforços altamente analógicos ou físicos. Essa estratégia se afasta da abordagem digital pura que bancos desafiantes como Revolut e Monzo utilizam em mercados desenvolvidos.
No contexto africano, um modelo apenas digital apresenta limitações significativas. A pesquisa da McKinsey aponta que o dinheiro ainda é o método de pagamento mais comum em toda a África, representando mais de 90% de todas as transações. Além disso, apenas 43% da população da África Subsaariana possui acesso à internet, segundo dados da GSMA. Portanto, o que funciona em mercados como o dos Estados Unidos ou o Brasil pode não ser viável na complexidade dos mercados africanos.
TymeBank e Moniepoint desenvolveram uma estratégia que os posiciona confortavelmente entre o digital e o físico, atendendo clientes onde eles se encontram. Atualmente, o TymeBank reclama ter 15 milhões de usuários na África do Sul e nas Filipinas, enquanto Moniepoint reporta que mais de 10 milhões de indivíduos e negócios utilizam seus serviços. Isso contrasta com outras fintechs que tentam conquistar o mercado a partir de uma perspectiva centrada exclusivamente no digital.
Em termos de parcerias, TymeBank colaborou com redes de supermercados, como Pick n Pay e Boxer, para estender seu alcance. Esses pontos de venda funcionam como agências quase físicas, onde kiosques e embaixadores da marca ajudam novos clientes a abrir contas e realizar depósitos, agregando uma interação humana a um serviço que muitos consumidores africanos preferem. Essa abordagem intuitiva transforma uma simples ida ao supermercado em uma oportunidade para abrir uma conta bancária.
Por outro lado, Moniepoint tem empregado uma metodologia diferente, construindo uma vasta rede de agentes em toda a Nigéria. Com cerca de 200.000 agentes, pequenos empresários que operam dispositivos de ponto de venda (POS), agem como caixas eletrônicos humanos. Essa estrutura proporciona depósitos, saques e pagamentos de contas, de modo que a empresa imita o modelo de sucesso de dinheiro móvel que a Safaricom introduziu com o M-Pesa no Quênia.
Este modelo descentralizado é crucial para conectar populações urbanas e rurais, oferecendo serviços financeiros em áreas onde a infraestrutura bancária tradicional é inexistente ou de difícil acesso. De acordo com o Banco Mundial, a Nigéria possui apenas 16,15 caixas eletrônicos a cada 100.000 adultos, o que realça a necessidade de soluções alternativas. Além disso, a economia informal movimenta cerca de 60% do PIB nigeriano, quando combinamos a alta taxa de desbancarizados e a mobilidade do comércio informal, fica claro que as empresas que oferecem elementos físicos têm uma vantagem significativa.
@TymeBank e Moniepoint não apenas proporcionam serviços bancários para varejo e empresas, mas também têm explorado esse modelo híbrido como base para adicionar novos serviços como crédito, empréstimos de capital de giro, ferramentas de gestão de negócios, contabilidade e seguros. Após suas recentes rodadas de investimentos para se tornarem unicórnios, ambas as empresas buscam expandir suas operações para além de seus mercados originais, onde já afirmam ter alcançado a lucratividade. O grupo Tyme, que recentemente anunciou uma rodada de investimento de $250 milhões liderada pelo Nubank, planeja expandir para o Vietnã e a Indonésia. Já a Moniepoint, que captou $110 milhões, planeja aprofundar suas operações na Nigéria e explorar outros mercados africanos, como o Quênia, possivelmente por meio de aquisições.
A relevância do modelo híbrido se estende além do setor de fintech. Embora TymeBank e Moniepoint não sejam as pioneiras dessa prática na busca por se tornar unicórnios, elas exemplificam um movimento mais amplo em direção a soluções financeiras que combinam inovação digital com interações pessoais. Esse modelo tem se mostrado eficaz, com fintechs africanas como Interswitch e Flutterwave, um exemplo disso, que forneceram infraestrutura e soluções de pagamento para comerciantes locais e globais.
Assim, fica evidente que o setor de fintech continua sendo a categoria de startups mais bem-sucedida na África, contabilizando oito das nove startups avaliadas em mais de um bilhão de dólares na região. À medida que o interesse dos investidores locais e globais cresce, esse modelo híbrido se posiciona como uma verdadeira referência, não apenas para obter retornos sustentáveis mas também para promover a inclusão financeira, que ainda é um desafio significativo no continente.
Além disso, o potencial de aplicação do modelo híbrido em setores além da fintech é imenso. A telemedicina, por exemplo, que depende fortemente da confiança dos usuários, poderia implementar pontos de encontro pessoal para facilitar o contato com pacientes, enquanto otimiza operações através de plataformas digitais. Múltiplos setores, como e-commerce e seguros em grupo, também podem se beneficiar dessa metodologia. Como observa Stephen Deng, cofundador da DFS Lab, “acreditamos que a maioria das startups bem-sucedidas na África dominará essa abordagem híbrida, onde a interface entre digital e físico é muitas vezes onde a inovação ocorre.”