A remota e vasta estepe do Cazaquistão, um lugar que parece ser o cenário de grandes epopeias, se revelou mais do que apenas um espaço desolado ao longo da história moderna. Este local, longe das agitações urbanas e cercado pela imensidão do céu, serve agora como um dos principais portões de entrada para o espaço, especialmente após a desativação do programa de ônibus espaciais da NASA em 2011. No centro desse fascinante cenário está o renomado fotógrafo Andrew McConnell, que, ao longo dos últimos anos, tem documentado o impacto das missões espaciais na vida das comunidades locais, trazendo à luz uma interseção entre a exploração espacial e a vida do homem comum.

De acordo com McConnell, o que o inicialmente encantou sobre as viagens espaciais foram os lançamentos: foguetes poderosos que deslizavam para o céu, envoltos em fumaça. No entanto, um evento marcante mudou sua perspectiva. Há cerca de dez anos, ele ficou intrigado ao ver um vídeo de uma cápsula Soyuz descendo abruptamente na estepe cazaque. “Toda três meses, essa cápsula aterrissava no meio de lugar nenhum, e ninguém realmente estava lá para ver isso”, ele se lembrou, denotando a obscuridade desse evento que, silenciosamente, reunia astronautas de diferentes nacionalidades após suas missões na Estação Espacial Internacional (ISS).

Motivado por sua experiência em zonas de conflito e pelo desejo de documentar uma “empresa humana positiva”, McConnell viajou pela primeira vez ao Cazaquistão em 2015 e, desde então, realizou mais de doze visitas. Durante suas expedições, ele se uniu a equipes locais que capturam as cápsulas após sua jornada de três horas e meia, um evento que agora se tornou um ritual nas vastas planícies beijando o céu azul. O fotógrafo acampou junto à equipe responsável pela operação, aguardando o que descreveu como a “grande explosão no céu”, sinalizando a reentrada da cápsula.

NASA's Kathe Rubins, Anatoly Ivanishin da Agência Espacial da Rússia e Takuya Onishi da Agência Espacial do Japão após retornar à Terra na Soyuz MS-01 em 2016.

No entanto, McConnell logo percebeu que teve de ajustar suas expectativas. Em vez de capturar retratos dos astronautas em seus momentos de triunfo após o retorno ao lar, ele se deparou com uma cena mais mundana: “Eles colocam chapéus, dão flores e muitas vezes têm uma conversa casual com suas famílias, como ‘Oi, mãe, sim, estou de volta’”, refletiu. Em sua primeira viagem, ele também encontrou uma nova dimensão. A comunidade local, que vive nas proximidades, estava fascinada com a presença da cápsula Soyuz e as atividades espaciais. Essa interação chamou a atenção do fotógrafo, que se perguntou como aquelas vidas rurais eram paralelas à magnificência do espaço.

A Convergência de Mundos: Vida Espacial e Cotidiana no Cazaquistão

Assim, a obra mais recente de McConnell, um novo livro de fotografia, explora não apenas o retorno dos astronautas, mas também a essência das comunidades cazaques cujas existências se entrelaçam inesperadamente com a exploração espacial. O livro, intitulado “Alguns Mundos Têm Dois Sóis”, revela retratos de nômades a cavalo e cenas da vida cotidiana em Kenjebai-Samai, a vila onde McConnell ficou. Exemplos tocantes, como uma jovem brincando em uma cerca feita de destroços espaciais, simbolizam a curiosidade e a indiferença que ele percebeu nas interações entre os locais e a tecnologia espacial.

Use of rocket debris in everyday local architecture.

“Surpreendentemente, eles eram desconhecidos sobre a aterrissagem das cápsulas. Algumas pessoas da vila mencionaram que as viram uma vez, mas não tinham ideia do que realmente acontecia”, observou McConnell, ressaltando a distância entre esses dois mundos. Para ele, essa contrapartida da vida moderna dos astronautas, imersos em uma realidade singular, e as rotinas humildes dos habitantes locais, destaca as disparidades no que diz respeito a como a exploração espacial é percebida e vivida.

O Legado do Cazaquistão na Era Espacial

O Cazaquistão já desempenhou um papel crucial no programa espacial soviético desde os anos 50, quando era parte da URSS. O Cosmodromo de Baikonur, onde as missões Soyuz são lançadas, não foi apenas um marco da exploração espacial, mas também um símbolo significativo da Guerra Fria. O Sputnik, o primeiro satélite artificial, foi lançado de lá em 1957, seguido pelo histórico voo de Yuri Gagarin em 1961. Apesar do desmantelamento da parte do programa da NASA, o Cazaquistão continua, através do Baikonur, a ser um dos portões essenciais de acesso à ISS. Contudo, com a frequência crescente de alternativas, como o Crew Dragon da SpaceX, o futuro do cosmódromo parece cada vez mais incerto.

Centuries-old burial tombs near a Soyuz landing site.

Conforme as inovações modernas avançam, McConnell percebe uma mudança significativa no financiamento e na inovação dentro do programa espacial da Rússia. Refletindo sobre essas transformações, ele disse: “Investimento não está mais lá. A inovação não está mais. O que a SpaceX está fazendo agora é extraordinário. Este lugar onde tudo começou irá desaparecer, e isso também faz parte da história”, concluiu. O livro “Alguns Mundos Têm Dois Sóis”, publicado pela GOST, está disponível agora e representa não apenas um testemunho visual, mas também um chamado à reflexão sobre as interconexões entre humanidade, tecnologia e nossas raízes ancestrais, em um mundo onde as estrelas parecem mais próximas do que nunca.

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