Em meio a um cenário de guerra civil que já dura mais de uma década, a coalizão rebelde da Síria, sob a liderança de Abu Mohammad al-Jolani, reafirma sua determinação em derrubar o regime autoritário do presidente Bashar al-Assad. Com avanços significativos nas últimas semanas, incluindo a captura da cidade estratégica de Hama e a segunda maior cidade do país, Aleppo, a coalisão busca restabelecer uma governança baseada em instituições democráticas que atendam ao clamor popular por mudanças.
Em uma entrevista exclusiva à CNN, al-Jolani não deixou dúvidas sobre os objetivos da Hayat Tahrir Al-Sham (HTS), grupo que se formou a partir de uma antiga afiliada da al-Qaeda. Ele enfatizou que o principal objetivo da coalizão é pôr fim ao regime de Assad, utilizando todos os meios possíveis para alcançar essa meta. “Quando falamos sobre objetivos, o objetivo da revolução permanece sendo a derrubada deste regime. É nosso direito usar todos os meios disponíveis para alcançar esse objetivo”, afirmou al-Jolani.
Recentemente, o rápido avanço dos rebeldes, que tomaram o controle de Hama após meses de domínio governamental, provocou um impacto significativo no apoio que Assad recebia, tanto de aliados iranianos como russos. Esse retorno à ofensiva da oposição renova um conflito que estava em grande parte adormecido, reacendendo as esperanças de mudança entre os civis sírios que há anos vivem sob o terror da guerra.
É importante considerar que, embora a oposição siria seja descentralizada e abranja diferentes ideologias, a maioria é unida pelo objetivo comum de derrubar o governo Assad. No entanto, as raízes de al-Jolani em movimentos islâmicos extremistas levantam dúvidas sobre suas ambições. Apesar de seus esforços para distanciar sua nova facção da al-Qaeda, os Estados Unidos designaram a HTS como uma Organização Terrorista Estrangeira em 2018, oferecendo uma recompensa de 10 milhões de dólares pela captura de al-Jolani.
Transformação e Modernização no Comando da HTS
Reconhecido como alguém que até pouco tempo operava na clandestinidade, al-Jolani agora busca articular uma nova imagem. Durante sua entrevista, ele demonstrou uma confiança renovada e projetou modernidade, realizando a conversa em local privilegiado e com pouca segurança, inclusive no momento em que as tropas sob seu comando capturaram a cidade de Hama.
Na Síria, sua postura tornou-se menos de um fugitivo e mais a de um político em ascensão. Após a conquista da cidade de Aleppo por suas forças, ele fez questão de aparecer publicamente na histórica cidadela da cidade, enfatizando sua intenção de se conectar com a população local. “Eu passei por episódios de transformação ao longo dos anos. A natureza humana implica que uma pessoa na casa dos vinte anos é diferente de alguém na casa dos trinta ou quarenta anos”, refletiu al-Jolani durante a entrevista, destacando sua evolução pessoal.
Al-Jolani começou como um jovem combatente da al-Qaeda contra os Estados Unidos no Iraque e retornou para sua terra natal durante a guerra civil síria, onde liderou a filial da al-Qaeda no país, conhecida como Jabhat Al Nusra. A partir de 2017, a facção se renomeou para Hayat Tahrir Al-Sham. Apesar dos esforços para se desvincular de suas origens, as designações terroristas continuam a influenciar a percepção de sua liderança.
Al-Jolani também se distanciou do tom radical de suas declarações em entrevistas anteriores. Durante a sua primeira aparição na televisão em 2013, ele se manifestou em busca de expandir a ala da al-Qaeda na Síria. Agora, ele apresenta um novo desejo por uma Síria reconstituída, fazendo uso público de seu nome verdadeiro pela primeira vez: Ahmed al-Sharaa. Em seus planos, os civis não deveriam temer sobre como seriam governados nas áreas sob controle rebelde, pois ele aseguró: “As pessoas que temem a governança islâmica ou a observaram em implementações incorretas, ou não a entenderam corretamente”. Ele vislumbra uma transição para um “estado de governança, instituições e assim por diante”.
Com a expansão do território controlado pela coalizão rebelde, al-Jolani e seu grupo afirmam que estão trabalhando para garantir a segurança e os direitos dos civis, incluindo minorias religiosas que sofreram sob o domínio de grupos extremistas anteriormente. Al-Jolani professou um comprometimento com a convivência pacífica entre comunidades, afirmando que “não se pode apagar outro grupo”, reconhecendo a coabitação secular que predomina na região há séculos.
Contudo, grupos de direitos humanos continuaram a levantar preocupações sobre as recentes ações da HTS em Idlib, sugerindo que a organização tem conduzido repressões severas contra dissidentes. Em resposta, al-Jolani insistiu que “os abusos nas prisões não foram realizados sob nossas ordens”, prometendo que os culpados seriam responsabilizados. Ele também defendeu sua organização contra a designação contínua de terrorismo, argumentando que ela é “principalmente política e, ao mesmo tempo, imprecisa”, e mantendo que ele nunca esteve ligado a ataques contra civis.
Enquanto o conflito prossegue, al-Jolani expressou seu desejo de ver as forças estrangeiras, incluindo as dos EUA, Turquia, Rússia e Irã, se retirando da Síria, uma vez que o regime de Assad caia. Ele argumentou que uma “governança institucional” deve substituir o sistema de governo autocrático estabelecido por Assad, que tem governado o país por mais de 52 anos com um custo devastador em vidas e recursos. “Estamos falando sobre um projeto maior – estamos falando em construir a Síria”, disse ele, reafirmando que a HTS é apenas uma parte desse processo maior.
Por fim, com o regime de Assad sob crescente pressão e as forças rebeldes em ascensão, a comunidade internacional observa com atenção os próximos movimentos na complexa dança política e militar da Síria. Com o destino do país incerto, fica claro que as aspirações dos rebeldes, liderados por al-Jolani, irão influenciar profundamente o futuro da nação devastada pela guerra.
Reportagem de CNN por Mostafa Salem e Isil Sariyuce contribuiu para este relatório.