A popular aplicação de compartilhamento de selfies, BeReal, que recentemente foi adquirida pela editora francesa de jogos móveis Voodoo, encontra-se no centro de uma controversa reclamação preocupante sobre suas práticas de privacidade. O aplicativo, amplamente utilizado pela geração Z, alterou as suas estratégias de solicitação de consentimento para rastreamento de usuários, suscetível a penalidades severas sob a legislação da União Europeia. A queixa, apresentada pela organização sem fins lucrativos noyb, levanta questões sobre a conformidade da BeReal com o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR), que estabelece padrões rigorosos para a obtenção de consentimento, incluindo a necessidade de que este seja “livremente dado”. Tal situação pode render multas de até 4% do faturamento anual global da empresa, um claro sinal do impacto potencial que essa disputa tem sobre o futuro da BeReal.
Desde julho de 2024, os usuários europeus do BeReal têm sido apresentados a um banner de consentimento que, à primeira vista, parece oferecer uma escolha conveniente entre aceitar ou recusar o rastreamento. No entanto, a reclamação da noyb refere-se à experiência desigual após essa interação inicial com o banner. Os usuários que recusam o consentimento são incessantemente abordados pela aplicação, recebendo notificações toda vez que tentam publicar um post. Por outro lado, aqueles que concordam com o rastreamento não são mais importunados pela aparição do banner novamente, evidenciando uma prática de “nudging” considerada manipulativa e injusta.
“Esse é um exemplo claro de um chamado padrão escuro, projetado para manipular a decisão dos usuários e irritá-los até que aceitem”, afirmou a noyb em um comunicado de imprensa que detalha a queixa. A organização ressalta que a abordagem de BeReal vai na contramão do respeito ao direito à privacidade do usuário, algo que deveria ser uma prioridade em qualquer plataforma digital. Não à toa, a advogada de proteção de dados da noyb, Lisa Steinfeld, reforçou a absurda natureza das táticas de manipulação utilizadas: “Ao serem confrontados com o banner de consentimento, os usuários acreditam que o aplicativo respeita suas escolhas, somente para descobrir que BeReal não aceita um ‘não’ como resposta”.
O que torna essa disputa ainda mais intrigante são os antecedentes legais e orientações do Comitê Europeu de Proteção de Dados, que, em 2022, já havia alertado sobre os riscos dos padrões escuros nas interfaces das redes sociais. A entidade havia explicitado que táticas de “solicitação contínua”, como a utilizada pelo BeReal, são prejudiciais à necessidade de consentimento livremente dado. “O GDPR deixa claro que o consentimento só é válido se for dado de forma voluntária”, enfatizou Steinfeld ao comentar sobre o descaso da BeReal em não atender a esse aspecto crucial da legislação.
Além do correto tratamento dos dados e das práticas de consentimento, a noyb está pleiteando que a CNIL, a autoridade francesa de proteção de dados e supervisora da Voodoo, ordene a BeReal que reformule a sua abordagem de coleta de consentimento. A organização não apenas quer que a empresa adequa suas práticas ao padrão do GDPR, mas também solicita que todos os dados processados desde a implementação deste padrão escuro sejam deletados, o que pode impactar severamente a base de dados da aplicação.
Frente a essa problemática, a reputação da BeReal pode estar em risco, o que representa um desafio significativo para a nova administração sob Voodoo, que deve agir para preservar a confiança dos usuários e evitar consequências jurídicas severas. As reações do público e a adesão a um tipo de aplicativo que manipula o consentimento a partir de táticas enganosas podem refletir na adoção de alternativas semelhantes que priorizam a transparência e a ética no uso de dados pessoais. Assim, a situação exemplifica a interseção crítica entre a inovação tecnológica e a proteção de dados, uma arena onde as legislações precisam acompanhar os rápidos avanços da era digital.
Por ora, a Voodoo foi contatada para comentar sobre a queixa contra a BeReal, e muitos usuários do aplicativo aguardam atentos as ações que serão tomadas em resposta a essa importante questão de privacidade. Enquanto isso, a geração Z, que é a principal usuária do serviço, pode começar a reavaliar suas escolhas digitais, a fim de não sacrificar sua privacidade em prol de uma simples selfie.