Em um ano em que o filme Back to Black sobre Amy Winehouse evidenciou como biografias musicais podem ser problemáticas, muitos críticos e o público parecem estar apreciando a nova interpretação sobre a juventude de Bob Dylan, A Complete Unknown, dirigida por James Mangold. O longa, protagonizado por Timothée Chalamet, apresenta uma visão audaciosa da vida de um dos artistas mais influentes do século XX, famoso não apenas por ter vendido 125 milhões de álbums, mas também por ter sido agraciado com prêmios como o Oscar, o Prêmio Nobel de Literatura e a Medalha Presidencial da Liberdade. O que poderia parecer uma celebração para os aficionados por Dylan, porém, logo se revela uma fonte de controvérsias e debates acalorados.
Entretanto, a produção não se comporta como um documentário estritamente fiel aos eventos. Desde a primeira cena, há alterações significativas nos detalhes históricos. Por exemplo, a narrativa sugere que Robert Zimmerman, nome verdadeiro de Dylan, chegou sozinho às ruas de Nova York, mas, na realidade, ele estava acompanhado de amigos, uma versão que parece menos poética, mas é mais precisa. Além disso, algumas cenas icônicas ficam distorcidas: Dylan não tem uma despedida emocional com Suze Rotolo, personagem representada como Sylvie Russo no filme, em um terminal de balsa em Rhode Island, uma vez que eles já estavam separados na época. Este cenário nos leva à reflexão sobre quantas liberdades podem ser tomadas em prol da narrativa cinematográfica.
Mudanças como essas, embora previsíveis em biopics, geraram um frenesi entre os fãs mais fervorosos de Dylan. Nos dias que se seguiram ao lançamento, muitas reações nas redes sociais destacaram a tensão entre expectativa e realidade, algumas pessoas até perdendo a paciência com o que consideram uma distorção dos fatos. A sátira é que, enquanto Dylan é conhecido por sua ambiguidade e por omitir informações em suas canções e entrevistas, os fãs se dividem na tentativa de julgar a fidelidade do filme.
Um dos momentos mais controversos no longa ocorre durante o Festival Folk de Newport, onde a reinterpretação de Dylan se apresenta como uma figura que provoca indignação, ao tocar uma breve sequência de rock elétrico diante de uma multidão que abrange os “boos” de desaprovação. O icônico grito de “Judas!” dirigido a Dylan, fielmente reproduzido no filmagem, realmente não se originou neste festival em 1965, mas sim em uma apresentação em Manchester, na Inglaterra, aproximadamente dez meses depois. Essa distorção temporal, embora evidente aos conhecedores da biografia de Dylan, causou alvoroço e críticas inflacionadas, revelando o desejo por uma versão perfeita dos eventos históricos.
Elijah Wald, autor do livro Dylan Goes Electric, utilizado como base para o filme, expressou sua frustração em redes sociais, aludindo ao fato de que outros críticos focam excessivamente nos detalhes, ao invés da essência do que o filme busca representar. É um dilema típico: como ser verdadeiro a um artista tão icônico e ao mesmo tempo manter o cinema acessível e intrigante? Os fãs de Dylan, especialmente das gerações mais velhas que mapeiam as nuances de sua carreira, estão prontos para defender com vigor a narrativa que conhecem de cor.
Nesse sentido, A Complete Unknown faz mais do que entreter: provoca discussões sobre o que é verdade na arte e sua representação em um filme. O fenômeno de “Dylan-splaining” — onde os admiradores tentam expor o que consideram erros — acaba por se mostrar mais uma camada da complexa relação que o público mantém com a biografia de seus ídolos. Diante disso, talvez seja possível refletir se o que importa para a história de Dylan é a precisão absoluta ou a interpretação das emoções e da essência de sua música.
Diante dessa nova perspectiva sobre Bob Dylan, encontramos uma combinação de elogios e críticas. Os fãs serão forçados a reconsiderar não apenas a biografia que lhes é apresentada, mas o que isso realmente significa para eles. Afinal, como poderia a arte não instigar polêmica? Para aqueles que possuem um carinho especial pela jornada de Dylan, o filme não é apenas uma narrativa, mas uma nova pergunta ao que é “verdade”.