A FIFA, entidade máxima do futebol mundial, confirmou na quarta-feira as sedes das próximas duas Copas do Mundo masculinas, revelando que Espanha, Portugal e Marrocos serão os anfitriões do torneio de 2030, com jogos também no Uruguai, Paraguai e Argentina. No entanto, a grande novidade foi a designação da Arábia Saudita como sede da competição de 2034, uma escolha que não tardou a suscitar reações negativas de grupos dedicados à defesa de direitos humanos ao redor do mundo.
Desde o momento em que a decisão foi anunciada, organizações de direitos humanos expressaram sua indignação, apontando a histórica e controversa trajetória da Arábia Saudita no tocante aos direitos civis e às liberdades individuais. “A FIFA está ignorando deliberadamente o histórico de direitos humanos do país, configurando uma década de possíveis abusos horríveis enquanto os preparativos para a Copa de 2034 se desenrolam”, afirmou Minky Worden, diretora de iniciativas globais da Human Rights Watch, em uma declaração proferida em novembro.
O histórico de direitos humanos na Arábia Saudita
Os grupos de direitos humanos lembram que o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman, também conhecido como MBS, tem se mostrado responsável por uma série de abusos documentados, incluindo tortura, execuções em massa e desaparecimentos forçados. A crítica interna ao governo, mesmo nas redes sociais, frequentemente resulta em prisão e tortura, levantando preocupações sobre a liberdade de expressão e os direitos civis no país que será o palco de um dos mais importantes eventos esportivos do mundo.
A Agência Central de Inteligência (CIA) dos Estados Unidos chegou à conclusão, com “alta confiança”, de que MBS ordenou pessoalmente o assassinato e desmembramento do jornalista do Washington Post, Jamal Khashoggi, em 2018, em um consulado saudita na Turquia, o que provocou uma onda de críticas internacionais e chamou a atenção para as práticas autoritárias do governo saudita.
A Arábia Saudita tem investido massivamente em eventos esportivos globais, levantando sérias acusações de “sportswashing”, que é a prática de usar atletas e competições para esconder repressões e um regime autoritário, tentando “lavar” a imagem do país e minimizar as críticas ao seu governo. Essa estratégia levanta questões éticas sobre a real intenção da Arábia Saudita em sediar eventos como a Copa do Mundo.
Preocupações sobre os preparativos para a Copa do Mundo de 2034
Conforme relatos da Human Rights Watch, os documentos do projeto de hospedagem apontam que a Arábia Saudita planeja uma vasta gama de construções para preparar o país para a Copa do Mundo, incluindo a construção de 11 novos e modernos estádios, a adição de mais de 185 mil quartos de hotel, além da expansão significativa de infraestrutura, como aeroportos e rodovias. Essa transformação massiva levanta uma bandeira vermelha, uma vez que a maioria dos trabalhadores envolvidos nesse frenético desenvolvimento são migrantes, que frequentemente enfrentam condições de trabalho perigosas e desumanas.
“O enorme déficit de infraestrutura da Arábia Saudita recairá inteiramente sobre as costas dos trabalhadores migrantes que estarão encarregados de construí-la”, afirmou a Human Rights Watch em seu relatório, que critica a análise realizada de maneira superficial e insuficiente pela Federação Saudita de Futebol em seu esforço para garantir a sede.
Juntamente com 10 outros grupos de direitos e organizações trabalhistas, incluindo a Anistia Internacional e o Football Supporters Europe, a Human Rights Watch contatou o escritório de advocacia responsável pela elaboração do relatório para expressar suas preocupações, mas não obteve uma resposta significativa. “Nenhum trabalhador migrante, vítima de crimes de direitos humanos, sobrevivente de tortura, defensora dos direitos das mulheres ou civil da Arábia Saudita foi consultado para o suposto relatório independente da FIFA”, lamentou Worden. “O tratamento da proposta saudita pela FIFA representa uma falha abominável em implementar avaliações e proteções obrigatórias contra riscos de direitos humanos para os milhões de trabalhadores migrantes que estarão envolvidos na realização da Copa do Mundo de 2034.”
Em conclusão, a designação da Arábia Saudita como sede da Copa do Mundo de 2034 levanta não só questões sobre a adequação do país para sediar um evento desta magnitude, mas também reafirma a necessidade urgente de discutir e cobrar responsabilidade sobre os direitos humanos no contexto do esporte mundial, tornando necessária uma reflexão crítica sobre o verdadeiro valor e as consequências de vincular atletas e eventos a regimes autoritários. À medida que o mundo observa, a FIFA e outros organismos esportivos devem repensar suas prioridades e agir de maneira a respeitar e proteger os direitos de todos os indivíduos envolvidos, não apenas os interesses comerciais e políticos.