Um novo estudo publicado na revista Ecology trouxe uma descoberta inovadora sobre o comportamento dos lobos etíopes, que pode muito bem redefinir a imagem desses predadores icônicos. Esses animais, conhecidos principalmente por sua habilidade de caçar pequenos roedores em seu habitat natural, também estão se revelando como polinizadores potenciais. O comportamento curioso foi registrado pela primeira vez em expedições feitas por Claudio Sillero, professor de biologia da conservação na Universidade de Oxford, que observou lobos etíopes lambendo flores da planta chamada “red hot poker” nas montanhas da Etiópia.

Durante suas primeiras expedições nos anos 1980, Sillero notou que esses lobos, em vez de agir como meros predadores, demonstravam um interesse surpreendente por essas flores vibrantes. A observação inicial rendeu a essa descoberta uma aura de mistério, pois até então, poucos mamíferos foram documentados como consumidores de néctar, especialmente um grande carnívoro. Sillero, que se sentiu intrigado com essa peculiaridade, disse: “Eu não esperava que os lobos tivessem um gosto por doces! Eles claramente estavam apreciando uma sobremesa.”

O estudo mais recente acompanhou seis lobos de três diferentes matilhas durante o período da floração, de maio a junho, quando foram observados lambendo as flores por períodos que variaram de um minuto a 1,5 horas. Este comportamento não apenas sugere que os lobos estão consumindo néctar, mas também levanta a hipótese de que eles podem contribuir para a polinização das flores que visitam, à medida que o pólen se acumula em seus focinhos. Agrupados em um programa de conservação que começou em 1995, esses lobos etíopes se tornam protagonistas de uma situação que até então parecia irreal.

A ideia de que esses predadores possam se tornar polinizadores é análoga à chamada “hipótese da sobremesa”, que propõe que algumas espécies utilizam um recurso adicional para complementar sua dieta básica. Embora os lobos etíopes tenham uma dieta predominantemente carnívora, consistindo principalmente de pequenos roedores, eles são impulsionados por um comportamento exploratório que os leva a se deliciar com o néctar das flores, similar aos humanos ao se depararem com uma sobremesa irresistível.

Além disso, a pesquisa revelou que outros animais da região, como babuínos e cabras monteses, também desenvolvem uma queda por essas flores. Um aspecto interessante que complementa as observações de Sillero foi a interação que ele teve ao ver crianças dos pastores locais brincando e provando as flores. Após experimentar o néctar, ele descreveu-o como “muito doce e agradável”, solidificando o conhecimento sobre a atratividade desses recursos naturais.

Lobo lambendo flores, presumivelmente polinizando.

Crédito da imagem: Adrien Lesaffre

Ao considerar quantas flores os lobos visitam em um único passeio, torna-se evidente que a probabilidade de eles atuarem como polinizadores é substancial. A quantidade de pólen que se acumula em seus focinhos durante essas visitas pode garantir a polinização entre flores, criando um elo inesperado entre predadores e a flora local. Segundo o artigo, essa pode ser a primeira constatada de um grande carnívoro sendo um polinizador, uma consideração que certamente desafia o que sabemos sobre as relações ecológicas na natureza.

Polinização inesperada: o impacto de um predador sobre a flora

As plantas “red hot poker” são amplamente polinizadas por aves, como observou Jeff Ollerton, um professor visitante da Universidade de Northampton, no Reino Unido. Ele explicou que essas plantas possuem flores tubularmente coloridas, geralmente vermelhas ou laranjas, repletas de néctar, sendo atraentes não apenas para os lobos, mas também para diversos outros animais. No entanto, Ollerton considera que a contribuição dos lobos para a polinização pode ser limitada comparada à efetividade das aves. “Não é impossível que eles polinizem, mas provavelmente desempenham um papel muito menor do que os pássaros”, disse Ollerton.

Enquanto os “red hot pokers” podem atingir alturas de até 175 centímetros, os lobos etíopes medem cerca de 60 centímetros de altura e 100 centímetros de comprimento, o que os limita ao acesso às flores mais baixas, que, segundo Ollerton, tendem a ser mais antigas e menos reprodutivas. Esses aspectos devem ser considerados em mais estudos que busquem entender a relevância dos lobos na polinização das plantas etíopes, um tema frequentemente negligenciado na ecologia.

“A polinização por mamíferos é certamente subdocumentada”, afirmou Ollerton, ressaltando a importância de mais pesquisas nessa área. Estudos futuros podem investigar como consistentemente os lobos transportam pólen e como diferentes espécies de polinizadores interagem com as flores da região. O desejo de entender melhor esses aspectos ecológicos está alinhado com a intenção de melhorar atitudes de conservação em relação aos lobos etíopes, uma espécie emblemática que, apesar de sua raridade, está lentamente se recuperando devido a iniciativas de conservação.

Conservação de uma espécie emblemática para um ecossistema sustentável

Apenas cerca de 454 lobos etíopes permanecem na natureza, habitando apenas algumas áreas isoladas das montanhas da Etiópia. Este predador endêmico do ecossistema afroalpino da Etiópia enfrentou desafios significativos, como a perda de habitat e doenças transmitidas por cães domésticos. Desde 2004, o status de conservação dos lobos etíopes foi alterado de “criticamente em perigo” para “em perigo”, resultado direto de esforços de conservation. O programa de conservação iniciou com a fundação de Sillero em 1995 e ajudou a estabilizar a população de lobos.

“Ao nos envolvermos com o público em pesquisas empolgantes, como a descoberta de que lobos etíopes consomem néctar, espero aumentar a familiaridade com a espécie”, disse Sillero. Ele acredita que a atuação dos lobos como espécie-guia pode proporcionar benefícios significativos para a biodiversidade e as comunidades locais, traçando um caminho para uma conservação mais eficaz e inclusiva.

Portanto, a partir da descoberta de que os lobos etíopes podem não apenas ser predadores, mas também polinizadores, abre-se uma nova fronteira no entendimento das interações ecossistêmicas. Estes maravilhosos predadores não são apenas parte integrante da natureza, mas também figuras-chave para o fortalecimento do equilíbrio ecológico em seu ambiente singular.

Similar Posts

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *