Um evento sem precedentes ocorreu na cidade de Latakia, na Síria, onde ex-forças de segurança do regime de Bashar al-Assad começaram a entregar suas armas ao novo governo de transição ligado a grupos rebeldes. As imagens capturadas pela Agence France-Presse mostraram longas filas de homens vestindo roupas civis aguardando sua vez de se apresentar para a entrega de armamentos pessoais às autoridades do novo Ministério do Interior sírio.
A gravação, realizada no início desta semana, mostrava a informalidade do processo, com oficiais entrevistando os entregadores e registrando suas fotos enquanto recolhiam pistolas e munições. Pode-se observar pilhas de armas acumuladas em canto dos escritórios do governo, refletindo o complexo cenário de desarmamento frente a uma nova era política na Síria.
Essas ações estão em consonância com os esforços da nova liderança síria, liderada pelo grupo Hayat Tahrir al-Sham (HTS), que busca uma transferência de poder pacífica e a busca por *legitimidade internacional*. Esta nova estrutura de governo foi criada após anos de guerra civil e devastação, onde mudanças radicais são necessárias para estabilizar uma nação em ruínas em múltiplos aspectos.
Mohammad Al-Bashir, líder do governo ligado aos rebeldes, foi oficialmente nomeado como primeiro-ministro interino da Síria por um período de três meses. Durante este tempo, será de sua responsabilidade supervisionar a transição do governo e, em um discurso televisionado, anunciou que ministros do governo anterior, conhecido como *Governo de Salvação* ligado ao HTS, assim como funcionários civis da era de Assad, continuarão em seus cargos até março de 2025.
Esse passo significativo demonstra um esforço consciente por parte da nova administração para atender à divisão política interna e garantir que os interesses de diversos grupos sejam representados. Ao mesmo tempo, isso levanta questões sobre a convivência entre aqueles que eram parte do regime anterior e a nova ordem política que pretende se estabelecer.
Abu Mohammad al-Jolani, líder do HTS, que agora se apresenta sob seu nome verdadeiro, Ahmad al-Sharaa, também partiu para a arena internacional ao fazer apelos para o levantamento de sanções que, segundo ele, são destinadas a preservar o regime de Assad. Em uma entrevista à BBC realizada em Damasco, Jolani argumentou que “as sanções devem ser levantadas porque eram direcionadas ao antigo regime. A vítima e o opressor não devem ser tratados da mesma forma”. Este apelo se destaca em um contexto onde a comunidade internacional observa de perto o que pode ser um novo capítulo doloroso e esperançoso para a Síria.
Jolani também procurou dissipar os temores de que o novo governo possa seguir o modelo do Talibã, sublinhando diferenças significativas entre as culturas e sociedades dos dois países. “Apoio a educação das mulheres e enfatizo a importância de termos diálogos para garantir que todos estejam representados”, afirmou. Este tipo de retórica visa acalmar um público cético sobre as intenções do novo governo e busca transmitir uma mensagem de modernização e abertura política.
Nos últimos dias, Jolani obteve uma reunião em Damasco com Geir Otto Pedersen, o enviado especial da ONU para a Síria, que expressou esperança de que as sanções sejam canceladas rapidamente, permitindo que a nação comece o caminho do renascimento. Adicionalmente, uma série de contatos entre a Uniao Européia, os EUA, o Reino Unido e grupos rebeldes também sinaliza a disposição do Ocidente em explorar novas relações diplomáticas.
Entretanto, a realidade do passado recente não pode ser ignorada. O governo de Assad e as forças que sustentavam seu regime foram responsáveis por uma onda de atrocidades, que incluíram torturas e o infame uso de armas químicas, levando à morte de dezenas de civis. Estima-se que mais de 306.000 civis foram mortos entre o início da guerra civil em 2011 até março de 2021, segundo dados mais recentes das Nações Unidas, trazendo à tona a necessidade imperativa de reconciliação e justiça na Síria.
Ainda assim, um caminho tortuoso se desenha à frente, e a busca por um futuro pacífico na Síria envolve não apenas o desarmamento de ex-forças leais a Assad, mas também a construção de um governo que efetivamente represente os interesses de um povo que sofreu enormemente nas últimas décadas. Mudanças estruturais, aceitação mútua e diálogo honesto são apenas alguns dos ingredientes que precisam ser considerados enquanto a Síria navega por esta fase crítica de sua história. Todos nós, como observadores atentos, devemos permanecer vigilantes e esperançoso por essa transformação.
Os repórteres Eyad Kourdi e Nadeen Ebrahim contribuíram para esta reportagem.