O que prometia ser um ano de progresso e inovação no setor automotivo, especialmente no que tange à tecnologia de veículos elétricos (EV) e veículos autônomos (AV), acabou se transformando em uma saga de desapontamentos e falências em 2024. A expectativa inicial era de que essas tecnologias revolucionárias se consolidariam no mercado, trazendo mudanças drásticas na forma como nos locomovemos. No entanto, o panorama que se desenha é sombrio, com diversas empresas, que outrora eram vistas como promessas do futuro, despencando em meio a uma realidade implacável e a um mercado que cada vez mais apresenta desafios difíceis de superar.
Nos últimos anos, as startups voltadas para veículos elétricos e autônomos gozaram de prestígio no círculo de investidores e executivos corporativos. As promessas de receitas bilionárias e novas fronteiras de lucro para as montadoras pareciam infindáveis. Contudo, ao longo de 2023, começou a aparecer um desgaste na demanda por veículos elétricos, que, apesar de um aumento geral nas vendas, não conseguiu alcançar as expectativas preconizadas. Assim, ao adentrar em 2024, as montadoras se viram obrigadas a reavaliar suas estratégias. Exemplos como o da Ford, que abandonou planos de produzir um SUV elétrico de três filas em prol de alternativas hibridas, e da GM, que reduziu drasticamente seus gastos com EVs, evidenciam esse movimento cauteloso das gigantes da indústria.
O cenário complexo ainda foi se aprofundando com a retração de iniciativas na criação de fábricas de baterias elétricas por empresas como Stellantis e Mercedes-Benz. As críticas ao conservadorismo da Toyota em relação aos veículos elétricos, que optou por priorizar candidatos movidos a gasolina e híbridos, agora parecem ter uma luz de razão, considerando os reveses do setor. Não muito longe disso, as startups que outrora eram as estrelas em ascensão do setor de veículos autônomos também enfrentaram sérios reveses. As promessas de carros autônomos revelaram-se mais complicadas do que se imaginava, e a falta de um modelo de negócios claro fez com que o otimismo inicial enfraquecesse.
Em meio a essa desilusão, o efeito dominó das falências começou a se espalhar. Entre os casos mais impactantes está o cancelamento do tão aguardado projeto do carro elétrico da Apple. Apesar de ser um assunto que circulou por quase uma década, a gigante da tecnologia, finalmente, confirmou que o projeto havia sido totalmente encerrado, deixando muitos admiradores decepcionados e gerando expectativas de que talvez em 2025 houvesse um recomeço.
Outra trajetória triste foi a da startup Arrival, que, com uma avaliação superior a US$ 13 bilhões e apoio de nomes como Hyundai e UPS, parece ter visto seu auge em 2021. A companhia, que ainda tentou se reerguer com um aporte de US$ 300 milhões, não conseguiu evitar a falência, cuja consequência foi a entrada de sua divisão no Reino Unido em administração. Essa situação contrastava com a briga de outra empresa, a Canoo, por alguns dos ativos da Arrival após a falência.
Mas as surpresas não pararam por aí. A sueca Cake, conhecida por suas bicicletas de design arrojado, também declarou falência em fevereiro, após enfrentar problemas financeiros, mas acaba de ressurgir sob nova direção, após uma aquisição por um revendedor de automóveis norueguês. A Cruise, por sua vez, viu seu programa de robotáxis voltar à estaca zero. Embora ainda esteja na ativa sob a tutela da GM, não está claro qual será seu futuro, já que a gigante automobilística tirou o suporte financeiro do programa logo no início de 2024.
Em um dos capítulos mais dramáticos do ano, a Fisker, uma startup que começou com grande entusiasmo, foi investigada por órgãos federais por conta de problemas de segurança e viu seu final se tornar um tanto trágico, com falências e problemas regulatórios culminando na sua bancarrota em junho. Por fim, a Ghost Autonomy e a Lilium também não conseguiram se sustentar, encerrando suas atividades após uma luta dolorosa e incessante para se manter relevantes em um mercado que se tornava cada vez mais competitivo e implacável.
Enquanto isso, no tocante à fabricação de baterias, a Northvolt, que tinha se estabelecido como uma promessa no setor, declarou falência nos EUA e seu CEO renunciou, mesmo após ter levantado bilhões em investimentos para se expandir na América do Norte. O triste final cuspido por essas startups evidenciou que, embora haja a contínua emoção em torno de projetos de aeronaves elétricas e iniciativas de novos entrantes no mercado, 2024 se caracterizou como um período de exceções para o crescimento de novas tecnologias.
O desfecho deste ano nos ensina que a estrada para a inovação é repleta de desafios. O setor automotivo se vê em um momento em que as promessas de um futuro brilhante se esbarram em uma dura realidade financeira e operacional. O questionamento agora é se as montadoras e startups lograrão se reinventar para enfrentar a próxima onda de transformação que a indústria automobile requer. É possível que, em algum momento, essas tecnologias realmente façam as promessas que inicialmente nos foram apresentadas, mas, por enquanto, a estrada continua traiçoeira e envolta em incertezas.