A escassez de água potável é um dos desafios mais prementes enfrentados pela humanidade no século XXI. Com apenas cerca de 3% da água do planeta sendo doce, e uma fração ainda menor acessível para consumo humano, soluções inovadoras se tornam essenciais à medida que regiões áridas enfrentam secas cada vez mais severas. Nesse contexto, o novo movimento liderado por startups de dessalinização está buscando alternativas, mirando o abundante recurso que compõe 97% da superfície da Terra: a água do mar. Ambicionando um futuro mais sustentável e eficiente para o abastecimento hídrico, as empresas estão se voltando para uma tecnologia denominada dessalinização por osmosse profunda do mar (DSRO), que promete mudanças significativas no paradigma atual.

A dessalinização não é um conceito novo; cidades, ilhas e distritos de água têm recorrido há mais de um século a esse método para purificar a água do mar. No entanto, a tecnologia ganhou popularidade apenas a partir da década de 1970. A osmosse reversa, a técnica mais utilizada, demanda aproximadamente 1,5 quilowatt-hora de eletricidade para cada 100 galões de água produzidos. Em 2022, impressionantes 26 bilhões de galões (cerca de 100 bilhões de litros) de água foram gerados diariamente por meio desse processo. Mas a energia necessária para bombear a água através das membranas da osmosse reversa se tornou uma preocupação crescente, representando cerca de 70% do consumo energético das plantas de dessalinização desse tipo. A pressão necessária para que a osmosse reversa funcione eficazmente pode ser equivalente a 20 vezes a pressão de um pneu de carro, levando especialistas a buscarem soluções alternativas para tornar o processo menos voraz em energia.

Uma das abordagens promissoras que ganhou notoriedade é a DSRO, que consiste em implantar equipamentos de dessalinização em profundidades marítimas que variam de 400 a 600 metros. Essa tecnologia se aproveita da pressão natural do fundo do mar para empurrar a água através da membrana, reduzindo drasticamente a necessidade de energia para extrair água potável. “A eletrificação do fundo do mar, realizada pela indústria de petróleo e gás, foi um divisor de águas”, comentou Alexander Fuglesang, cofundador e CEO da Flocean, durante uma entrevista ao TechCrunch. A possibilidade de utilizar eletricidade, em vez de sistemas hidráulicos, para operar as bombas tornou a instalação e manutenção dessas estruturas muito mais viáveis.

Não apenas a eletrificação revolucionou a operação dos equipamentos subaquáticos, mas também proporcionou a criação de subsistemas autônomos, como submarinos operados remotamente, que facilitam significativamente a instalação e manutenção de dispositivos em alto-mar. De acordo com Michael Porter, CTO da OceanWell, “Isso mudou o jogo para nós”. Os sistemas DSRO são projetados para operar em harmonia com a vida marinha; a velocidade reduzida na passagem da água pela membrana permite que a maioria das criaturas marinhas se desloquem rapidamente, minimizando o impacto no ecossistema. Além disso, a OceanWell está desenvolvendo tecnologia para reverter o fluxo das bombas periodicamente, permitindo que organismos indesejados sejam expelidos dos filtros, prolongando sua vida útil.

Um dos desafios persistentes da dessalinização, tanto em terra quanto no mar, é a gestão do sal resultante do processo. Enquanto a dessalinização em terra pode gerar uma solução salina que é duas vezes mais concentrada que a água do mar, as instalações DSRO produzem um sal que é apenas de 10% a 20% mais concentrado que a água oceânica. Essa bruma gerada é dispersa por uma coluna de água, minimizando o impacto ambiental e ajudando a preservar a biodiversidade local.

Embora os custos iniciais de fixação do equipamento no fundo do mar possam ser altos devido à necessidade de infraestrutura para serviços como energia, água e comunicação, a expectativa é que, à medida que a tecnologia evolua e o volume de produção aumente, os custos operacionais diminuam significativamente. As startups como Flocean estão mirando a instalação de entre cinco e 50 módulos de dessalinização por local, e todas preveem que suas operações serão 30% a 50% mais eficientes em consumo energético comparadas à dessalinização realizada em terra.

Com o olhar atento de investidores, o setor começa a ver um influxo de capital. Em novembro, a OceanWell anunciou um aporte de 11 milhões de dólares proveniente de investidores como a Kubota, enquanto a Flocean revelou um investimento de 9 milhões de dólares em sua última rodada de financiamento, liderada por empresas como Burnt Island Ventures e Nysnø Climate Investments. Ambas as empresas têm planos ambiciosos para expandir sua presença internacional, com a Flocean já estabelecendo acordos para testes em locais como Maldivas e Jordânia, e a OceanWell focando no mercado da Califórnia.

À medida que a crise global de água se intensifica, a esperança dessas novas tecnologias é de alcançar um público massivo e minimizar os impactos da pobreza hídrica. “Acreditamos que podemos beneficiar cerca de um bilhão de pessoas e ajudá-las a evitar a escorregada para a pobreza em água”, destacou Bergstrom, CEO da OceanWell, adicionando uma perspectiva otimista à corrida por inovações em métodos de dessalinização que podem, finalmente, proporcionar alívio para as populações mais afetadas pela escassez de água.

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