Hong Kong
CNN
—
A lembrança de Jimmy Carter, ex-presidente dos Estados Unidos, está sendo celebrada na China, onde ele é reconhecido como o líder que pôs fim a décadas de hostilidade entre os dois países e estabeleceu laços diplomáticos com Pequim, sacrificado em parte em detrimento de Taiwan. Carter faleceu no domingo, aos 100 anos. Sua decisão de estabelecer relações diplomáticas com a República Popular da China em 1979 não apenas redefiniu o futuro das relações sino-americanas, mas também lançou uma nova era de interação internacional que ressoa até os dias de hoje, especialmente na tumultuada situação do Estreito de Taiwan.
O processo de normalização das relações, que data da década de 1970, foi marcado por meses de negociações secretas entre a administração Carter e representantes do governo chinês. Essas conversas foram cruciais num período em que os EUA, após a Segunda Guerra Mundial, haviam reconhecido a República da China em Taiwan como o único governo legítimo da China, após a retirada do Kuomintang diante da ascensão comunista em 1949. A visita histórica do presidente Richard Nixon à China em 1972 já havia aberto a porta para um aquecimento nas relações, mas foi Carter quem concretizou a mudança oficial ao reconhecer o governo de Pequim como o único legítimo.
Em 15 de dezembro de 1978, Carter anunciou que, a partir de 1º de janeiro de 1979, os EUA encerrariam as relações diplomáticas com Taiwan e reconheceriam a República Popular da China. Esse anúncio foi um choque para muitos taiwaneses e gerou protestos violentos em Taipei, que se sentiram abandonados por Washington, especialmente considerando o fim do tratado de mutua defesa entre os dois países, o que resultou na retirada das tropas americanas da ilha.
No entanto, o novo relacionamento se concretizou em janeiro de 1979, quando os EUA e a China estabeleceram formalmente laços diplomáticos, inaugurando embaixadas em suas capitais. No final desse mês, Carter recepcionou Deng Xiaoping, o líder chinês, na Casa Branca, marcando a primeira visita de um líder comunista ao território americano. Durante essa cerimônia, Carter expressou esperanças de um futuro de paz e comércio, destacando o potencial para intercâmbios de ideias e pessoas entre as duas nações.
Deng, por sua vez, elogiou a “visão de futuro” de Carter, enfatizando sua influência positiva na normalização das relações, que tinham sido marcadas por décadas de desconfiança e antagonismo. Nos anos seguintes, as relações bilaterais floresceram, com um aumento significativo no comércio, investimentos e intercâmbios acadêmicos. Carter também foi um defensor do intercâmbio estudantil, incentivando as universidades americanas a abrirem vagas para estudantes chineses, sendo uma das questões discutidas durante as negociações de normalização.
Esse envolvimento se mostrou crucial para fomentar a compreensão entre as culturas e abrir oportunidades que permaneceriam fundamentais por décadas na evolução das relações sino-americanas. Billateralmente, a estrutura estabelecida permitiu que a comunicação entre os dois países alcançasse novos patamares.
Jimmy Carter e o Promover da Democracia e Direitos Humanos na China
Apesar do agradecimento em Pequim, a figura de Carter, em suas visitas subsequentes à China, permanece um tema de respeito e admiração, mesmo em um cenário internacional marcado por tensões crescentes entre as potências. Entretanto, a história não é linear, e as relações chinesas nos últimos anos têm sido marcadas por um endurecimento da liderança sob Xi Jinping, que afastou a esperança de um modelo político mais liberal na China, contrastando com as expectativas que muitos tinham à época da normalização.
Carter defendeu publicamente a continuidade do engajamento ao invés da confrontação e ofereceu advertências sobre as possibilidades de um novo conflito entre as potências globais, refletindo sobre como a falta de confiança mútua poderia resultar em um “nova Guerra Fria”. Sua visão sempre se opôs ao acirramento das tensões, um sentimento que ressoa fortemente em tempos de crescente rivalidade entre os EUA e a China.
Em sua atuação, Carter também não hesitou em defender temas como a liberdade religiosa, e durante um banquete em 1979, ele garantiu a Deng Xiaoping a permissão para adorar livremente e a distribuição de Bíblias na China, um passo notável para a época. Seu apoio à democratização na China incluiu supervisão e avaliação de eleições locais, e uma visita em 2001 que exemplificou esse compromisso com a progressão política.
A Reação Mista a Jimmy Carter em Taiwan
Carter também carrega um legado complicado em Taiwan, onde seus anunciados rompimentos diplomáticos geraram desconfiança e desapontamento a longo prazo. Muitos taiwaneses não esqueceram como sua decisão, embora amplamente vista como necessária no contexto da Guerra Fria, tenha alterado irrevogavelmente o status quo na região. A ideia de que Carter, durante sua presidência, não tivesse se comprometido em continuar a aliança com a ilha os deixou com uma sensação de traição, revelando uma fratura nas relações que perdura até hoje.
Seus encontros posteriores com Taiwan, como sua visita em 1999, foram marcados pelo ressentimento sobre as decisões tomadas, especialmente em um país que rapidamente evoluiu sua própria democracia e identidade nacional. Carter, em uma de suas aparições, enfrentou críticas ao responder a demandas de desculpas, insistindo que suas decisões foram necessárias e corretas a partir da perspectiva geopolítica da época.
Diante disso, o impacto do legado de Carter nas relações entre Taiwan e os EUA, além de seu histórico envolvimento na diplomacia chinesa, fazem de sua figura um ponto focal de debate acirrado. O que pode ser visto como uma ousadia diplomática por um lado, é considerado por outro como uma decisão desastrosa, refletindo a complexidade das relações internacionais que continuam a se desenvolver.
Carter, com sua vocação para a paz e renomada capacidade diplomática, não é lembrado apenas por suas ações como presidente, mas também por suas interações de longo prazo que buscam promover um futuro de entendimento global e cooperação. Com a sua morte, o mundo não apenas se despede de um estadista, mas também de um dos principais arquitetos do engajamento entre as potências ocidentais e a China, cujos efeitos ainda moldam o cenário contemporâneo.
Seu legado de abertura e diálogo, apesar de suas controvérsias, permanece um apelo relevante para a comunidade internacional, especialmente em um momento em que as tensões políticas e econômicas estão mais tensas do que nunca. A lembrança de sua presidência e suas decisões historicamente significativas devem ser vistas não apenas como capítulos fechados, mas como temas que ainda ressoam nas esferas do poder global.