No cenário atual de incertezas geopolíticas, os fundadores de startups buscam maneiras de garantir que seus investidores não têm vínculos financeiros com países como China, Rússia, Irã ou Cuba. Uma iniciativa recente trouxe alívio e clareza para esses empreendedores. Mais de 20 empresas de capital de risco assinaram o Certificado de Capital Limpo, comprometendo-se a não aceitar investimentos de potências estrangeiras hostis. Entre as firmas que aderiram à iniciativa estão destacadas Marlinspike Partners, Humba Ventures e Snowpoint Ventures. Segundo Craig Cummings, parceiro da Moonshots Capital, “devemos garantir que adversários dos EUA não lucrem diretamente com nosso sucesso, e assinar publicamente o Certificado de Capital Limpo é uma forma de nos comprometer com essa obrigação como comunidade”.
A proposta foi elaborada pela Future Union, uma organização de defesa que atua em questões relacionadas à interferência estrangeira no setor privado. O compromisso assinado ressalta que novas tecnologias, quando em mãos erradas, podem “lançar uma sombra de autoritarismo, desinformação e divisão”. Andrew King, diretor executivo da Future Union, vem trabalhando nessa proposta há cerca de três anos, embora suas preocupações com a interferência chinesa sejam muito mais antigas. O executivo recorda longas conversas com um amigo do Departamento de Defesa sobre “os impactos negativos das operações da China nos EUA”, destacando como o país influenciava capital de risco e private equity através de incentivos monetários para acessar tecnologias críticas.
De acordo com King, “caso uma empresa tenha investidores chineses, é possível que esses investidores — e, consequentemente, o governo chinês — tenham acesso a informações sigilosas sobre as empresas do portfólio”. Embora, no contexto do capital de risco, esse temor seja majoritariamente hipotético, a preocupação está crescendo entre os profissionais da área. Em setembro, o Financial Times relatou que o FBI estava investigando a firma de capital de risco baseada na Califórnia, Hone Capital, por supostamente encaminhar informações a seus investidores chineses. Além disso, um relatório de fevereiro de um comitê do congresso mencionou cinco empresas de investimento dos EUA por terem investido em empresas chinesas, alegando que tais investimentos ajudaram a apoiar o exército da China e possibilitaram abusos dos direitos humanos no país.
O congressista John Moolenaar, presidente do Comitê Selecto sobre o Partido Comunista Chinês (CCP), elogiou a assinatura do compromisso. “A segurança nacional americana e a prosperidade econômica estão em risco quando empresas dos EUA investem em nosso principal adversário ou permitem a entrada de investidores apoiados pelo CCP em seus conselhos”, afirmou. “Graças a esses investidores patrióticos, agora existe um padrão para o Certificado de Capital Limpo que os americanos podem usar para avaliar seus investimentos.”
A influência de capital estrangeiro na tecnologia de defesa
Não é coincidência que muitas das empresas que assinaram o compromisso estejam investindo em startups de tecnologia de defesa. Para as empresas de defesa, aceitar dinheiro que tenha ligações com determinados países pode comprometer sua capacidade de fazer negócios com o Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Entre as cerca de vinte firmas que assinaram o compromisso, fundos maiores que investem em defesa notavelmente não participaram, como Andreessen Horowitz e Founders Fund. Em geral, essas empresas não costumam assinar cartas abertas como o compromisso, embora um porta-voz do Founders Fund tenha esclarecido que a firma não aceita capital de nenhum dos países abrangidos pelo compromisso. No passado, o parceiro Delian Asparouhov se referiu a firmas que aceitam capital chinês como “traidoras”.
De forma semelhante, os parceiros da a16z, Katherine Boyle e David Ulevitch, publicaram um artigo de opinião no Wall Street Journal no ano passado que enfatizava sua posição. “Embora alguns investidores americanos tenham anteriormente buscado investimentos em países adversários como a China, agora está claro que apostaram no governo errado”, afirmaram. Essa declaração pode ter sido uma crítica velada a um dos principais concorrentes da a16z, a Sequoia, que possuía uma significativa filial de investimento chinês até que esse setor foi desmembrado para formar uma entidade separada em meados de 2023.
Entretanto, o compromisso em si ainda apresenta falhas. Trata-se de uma certificação voluntária que não conta com um processo formal de verificação para garantir que as empresas estejam sendo sinceras em suas afirmações. Mesmo que uma firma possa atestar que seus parceiros limitados não estão baseados na China, estes parceiros podem, ainda assim, aceitar dinheiro de entidades chinesas. King destacou que este compromisso é um primeiro passo, e que futuras iniciativas poderão incluir uma organização terceira para verificar os investidores das firmas ou outra certificação que investigue os próprios parceiros limitados.
Ele espera que uma simples declaração voluntária já consiga responsabilizar as firmas. “A autoafirmação é pública”, comentou. “E há riscos e danos reputacionais que podem inesperadamente ocorrer caso se ateste algo que venha a ser desmentido por outros parceiros limitados ou por outras fontes.”