Antigamente, reservar uma mesa em um restaurante badalado não exigia uma corrida à meia-noite para plataformas como Resy. Era um tempo em que as longas esperas eram uma exceção e não a regra, principalmente em grandes cidades como Nova Iorque e Los Angeles. Porém, a recente transformação do setor de gastronomia, em parte impulsionada pela pandemia e pelas redes sociais, trouxe à tona um novo desafio: como garantir um lugar entre os primeiros para desfrutar de uma experiência culinária exclusiva. Agora, isso é uma questão social, quase tão valiosa quanto conseguir ingressos para um dos clássicos da Broadway.
O aumento da demanda por reservas se deve em grande parte à necessidade dos restaurantes de ter uma previsão de receitas em um cenário pós-pandêmico, aliada à popularização do ato de comer fora como um verdadeiro evento cultural, intensificado por plataformas como TikTok e Instagram. Essa nova realidade levou dois amigos, Evan Felcher e Mattia Ros, que se conheceram na faculdade como rivais no tênis, a desenvolver um aplicativo que promete eliminar as dores de cabeça associadas às reservas: o Access.
O Access, que opera com um modelo de assinatura, permite que seus usuários garantam mesas em restaurantes renomados de Nova Iorque por uma taxa anual a partir de US$ 1.788. Com planos que incluem até duas reservas por mês e um “serviço de concierge”, Felcher descreve o aplicativo como uma forma de “redefinir a experiência de reserva”, proporcionando aos membros o acesso exclusivo a reservas cobiçadas. Contudo, esse novo modelo levanta questões sobre o controle crescente que os clientes mais ricos têm sobre a indústria de restaurantes, especialmente considerando que muitos estabelecimentos já enfrentam margens de lucro bastante reduzidas, exacerbadas pela inflação.
A proposta do Access lembra a criação de um mercado cinza de reservas que surgiu após a pandemia. Plataformas como Appointment Trader estão permitindo que pessoas revendam mesas em locais disputados por preços que ultrapassam US$ 200. Tal prática, frequentemente realizada por bots que adquirem reservas em serviços legítimos como o OpenTable, tem gerado críticas considerando que os restaurantes não têm controle sobre essas vendas. Recentemente, uma proposta de lei na legislatura de Nova Iorque, que visa banir essa prática de “pirataria de reservas”, ainda aguarda a assinatura da governadora Kathy Hochul.
Felcher vê o Access não apenas como uma solução para os consumidores, mas também como uma oportunidade para os restaurantes controlarem melhor seu inventário de reservas e gerarem receita. Uma parte da taxa de associação do Access é destinada diretamente aos restaurantes parceiros, permitindo que esses estabelecimentos tenham acesso a dados valiosos sobre o comportamento do consumidor. Para ele, isso não é só um benefício para os clientes, mas uma forma de restaurar o equilíbrio em um mercado cada vez mais dependente de inovações tecnológicas.
Porém, a experiência não é tão simples quanto parece. Embora o Access tenha um algoritmo de “satisfação do cliente” que assegura que os assinantes consigam reservas, a demanda por um restaurante que rapidamente se torna popular pode complicar o acesso. Para os clientes com assinaturas mais altas, o acesso prioritário é garantido, permitindo-lhes reservas ante o fluxo de clientes, mas isso pode criar um senso de desigualdade no desfrute de experiências gastronômicas.
Os usuários do Access também descobrirão um sistema baseado em créditos que ajusta o “preço” das reservas de acordo com a popularidade do restaurante e o horário. Isso pode parecer uma confusão para alguns, mas para Felcher, o objetivo é que os membros tenham uma experiência de reserva livre de estresse, ao mesmo tempo em que os restaurantes conseguem monetizar suas reservas mais procuradas. Afinal, a ideia é fazer com que as experiências memoráveis sejam acessíveis, embora com um custo conectado ao status social.
O Access, atualmente em fase beta, está limitando o número de assinaturas a 3.000, e os interessados devem passar por um processo de seleção. Com uma previsão de geração de receita de até US$ 1 milhão no próximo ano, o aplicativo já conseguiu um investimento inicial de US$ 500.000 da empresa de private equity Intium Management e de um escritório familiar de um ex-parceiro da Goldman Sachs.
A percepção de que o Access é apenas um novo meio para os ricos evitarem filas será um desafio a ser superado. Embora existam startups como LineLeap que permitem que usuários paguem para furar filas em bares e clubes, Felcher argumenta que o Access oferece uma verdadeira conexão entre os restaurantes mais icônicos e os amantes da gastronomia. Ele ressalta que, em uma cidade como Nova Iorque, onde todos precisam comer, o aplicativo facilita que consumidores frequentes se deleitem com o que há de melhor na culinária da cidade sem a necessidade de conhecer o chef.
É uma proposta que, embora leve a uma maior polarização social dentro da esfera gastronômica, também aponta para o futuro da experiência de jantar, onde o tempo e o acesso se tornam privilégios, e a interseção entre a tecnologia e o sabor ressoa em um universo que se transforma rapidamente.