As fezes de aves, inicialmente vistas com desdém, estão se revelando protagonistas em uma nova análise de saúde pública que busca entender e prevenir pandemias de gripe como a que aflige a agricultura e a saúde global atualmente. A pesquisa, que tem uma história de quase quatro décadas, é conduzida por uma equipe vinculada ao St. Jude Children’s Research Hospital, liderada pela Dra. Pamela McKenzie e seu parceiro de pesquisa, Patrick Seiler. Eles se dedicam a coletar amostras de guano em Cape May, Nova Jersey, um local que se transforma em um verdadeiro laboratório a céu aberto durante a migração das aves a cada primavera, quando centenas de milhares de aves migratórias costumam parar nesta região para se reabastecer.

O fenômeno começa com a chegada dos caranguejos-ferradura, que sobem a praia da Baía de Delaware durante a primeira lua cheia de maio para acasalar e desovar. Logo em seguida, as aves, que estão em sua jornada migratória entre a América do Sul e o Ártico, descentem em massa nas praias. Essas aves não apenas se alimentam dos ovos ricos em proteínas e gordura dos caranguejos, mas também podem, inadvertidamente, carregar consigo uma carga viral significativa. Estudos mostram que o guano de aves pode conter uma variedade de vírus da gripe, com a equipe de McKenzie descobrindo que mais de 20% das amostras de fezes coletadas em suas pesquisas ao longo dos anos continham subtipos do vírus da gripe, o que levanta preocupações à medida que um novo e perigoso vírus H5N1 provoca surtos em rebanhos de gado leiteiro e de aves nos Estados Unidos.

A busca pela compreensão dessa ligação se tornou ainda mais urgente com a disseminação do H5N1, um subtipo altamente patogênico, que agora está se espalhando para mamíferos e levantando questões sobre possíveis infecções humanas. A análise de amostras de fezes de aves permite que os cientistas tenham uma vigilância proativa, ajudando a prever surtos e possíveis mutações do vírus que podem ocorrer. Dr. Robert Webster, um virologista neozelandês que propôs a pesquisa inicial, enfatiza a importância de entender onde o vírus se reproduz e se espalha. “Descobrimos que a replicação não ocorre nas vias respiratórias, como pensávamos inicialmente, mas nas intestinais”, ressalta Webster, que, apesar de estar aposentado, ainda participa ocasionalmente das coletas.

Dr. Robert Webster, um virologista neozelandês que foi o primeiro a entender que os vírus da gripe vêm do trato intestinal das aves.

A equipe de pesquisa, apoiada pelo National Institutes of Health, realiza a coleta anualmente e traz as amostras de volta a Memphis, Tennessee, onde são analisadas em detalhes. A Dra. Lisa Kercher, que dirige operações laboratoriais no St. Jude, explica que esta inovação na análise envolve o uso de um laboratório móvel, o que pode acelerar o processo e permitir que as amostras sejam testadas rapidamente. Os resultados dessas análises não apenas ajudam a entender os vírus presentes nas aves, mas também permitem que as informações sejam compartilhadas em uma base de dados internacional que auxilia na detecção de novas cepas do vírus.

Infelizmente, nem todas as amostras coletadas apresentaram H5N1. Além disso, houve uma sensação de estranhamento e curiosidade entre os pesquisadores, uma vez que não entenderam completamente por que o vírus não foi detectado nas aves em Cape May, enquanto surtos em rebanhos de gado leiteiro estavam se tornando mais comuns. Entre os desafios atuais, está o fato de que os vírus se adaptam e acessam novas fontes de hospedeiros, aumentando a complexidade das pandemias zoonóticas e exigindo a vigilância constante das populações de aves migratórias.

À medida que as migrações anuais prosseguem, os cientistas se preparam para recomeçar suas buscas na primavera seguinte. Dr. Richard Webby, que agora lidera o projeto iniciado por Webster, reforça que a pesquisa realizada na Baía de Delaware é um alicerce importante na luta contra futuras pandemias, comparando a previsão de surtos de gripe a prever tornados: só é possível entender o que é normal para identificar anomalias. O que vem pela frente é incerto, e a pergunta que paira no ar é se o H5N1 poderá eventualmente adaptar-se o suficiente para representar uma ameaça direta à saúde pública humana.

Portanto, enquanto as aves migram, carregando potencialmente vírus em suas fezes, os cientistas se comprometem em continuar o trabalho vital de coleta e análise, perpetuando um ciclo de vigilância e aprendizagem que poderá, no fim, ajudar a proteger a saúde pública global. O que se passa nas areias da Baía de Delaware pode dar o tom das medidas necessárias para conter futuros surtos e proteger a população de possíveis pandemias.

Em um mundo onde a conexão entre a saúde animal e humana se torna cada vez mais evidente, as observações feitas em locais como Cape May são vitais. Com uma combinação de ciência, prática e vigilância, a esperança é que possamos estar um passo à frente do próximo surto de gripe.

Fontes: CNN, CDC e outras publicações científicas.

Veja também as últimas atualizações sobre o vírus da gripe e suas possíveis implicações na saúde pública, acessando nossa newsletter semanal de saúde.

Similar Posts

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *