As icônicas bolsas Birkin da Hermès, que possuem preços que começam em torno de $9.000 e que em leilões podem ultrapassar centenas de milhares de dólares, são frequentemente consideradas acessíveis, segundo Pierre-Alexis Dumas, diretor artístico da marca. Para ele, a diferença crucial entre os termos “caro” e “costoso” é fundamental para entender o valor real desse cobiçado acessório.
Dumas enfatiza que sua visão sobre o que constitui um produto “costoso” é enraizada no processo que se dedica à criação de cada bolsa. O custo, para ele, é o reflexo da composição e do tempo necessário para fabricar uma bolsa de luxo de alta qualidade, o que pode resultar em longas esperas para os clientes. Por outro lado, uma peça considerada “cara” é aquela que não atende às expectativas que os consumidores possuem. Essa distinção é a razão pela qual, segundo Dumas, os clientes precisam ter paciência. Ele afirma: “Estamos preocupados com o ofício, não com máquinas. E não estamos comprometendo a qualidade de como fazemos as bolsas.”
A dificuldade de adquirir uma bolsa Birkin
O que torna a exclusividade da Hermès quase surreal é o fato de que, mesmo aqueles que podem pagar por uma bolsa Birkin enfrentam dificuldades para adquiri-la. As lojas geralmente não possuem estoques disponíveis para venda e a bolsa não está disponível no site da Hermès. “É um processo longo”, Dumas descreve a experiência. “Você vai a uma loja, agenda um horário, conhece um vendedor, fala sobre o que deseja. Não está disponível. Você terá que esperar e eventualmente, isso acontecerá”. Este aguardado momento é resultado de uma diligente e personalizada relação entre o cliente e os vendedores, que atuam como verdadeiros guardiões do acesso ao produto.
Dumas menciona que historicamente existiram listas de espera que duram anos e até menciona a especulação em Wall Street de que a marca estaria manipulando a raridade das bolsas para gerar uma demanda ainda maior. Em contrapartida, ele nega essa lógica de marketing, afirmando que a Hermès não possui uma equipe de marketing e que, “o que nós temos, colocamos na prateleira, e o produto simplesmente vai.” Essa abordagem provada ao longo do tempo desde a fundação da maison Hermès, em 1837, mantém o foco na qualidade e na tradição do artesanato.
A arte de fazer à mão em um mundo acelerado
A Hermès enfrenta o desafio de não ter um número suficiente de artesãos qualificados para produzir as bolsas, que, há um século, são fabricadas inteiramente por um único mestre artesão. “Sempre gosto de dizer que a Hermès é uma velha senhora com problemas de startup, porque crescemos tão rapidamente em um período curto de tempo”, explica Dumas. Ele ressalta que a marca tem investido em treinar indivíduos para carreiras de longo prazo, criando sua própria linha de artesãos. Ao fazer isso, a Mahd conseguiu produzir mais das suas cobiçadas bolsas do que nunca, embora a empresa não revele números exatos sobre a produção.
A casa abriu um centro de formação em couro em 2021, onde 400 graduados por ano são educados nas técnicas de trabalho em couro, incluindo o famoso ponto de sela que caracteriza as bolsas da marca. O artesão utiliza uma agulha em cada mão, puxando um forte fio de linho com cera de abelha em laços precisos. O cruzamento das agulhas, que forma o nó, não pode ser replicado por uma máquina, sendo necessário anos de prática para dominar essa técnica. O Kelly, que é a bolsa mais difícil de ser construída, começa com 30 cortes distintos de couro e pode levar até 20 horas para ser completada – quatro horas só para fazer a alça.
Artisans que dominam as habilidades exigidas geralmente são oferecidos posições em um dos 23 ateliês de couro que a Hermès possui em vilarejos e cidades em toda a França. Um deles está localizado em Tournes, a cerca de três horas de carro de Paris, no campo francês. O ambiente do ateliê é silencioso, sem o barulho de máquinas de costura. Lá, os artesãos realizam uma silenciosa dança com suas agulhas, mantendo um ritmo calmo sem pressas ou prazos rígidos. As bolsas são “assinadas” pelos artesãos quando concluídas, sendo essa a marca oculta que autentica os produtos da Hermès.
Uma tradição de qualidade impulsionada pela serendipidade
Não se trata apenas de bolsas sendo feitas meticulosamente a um ritmo deliberado; os lenços de seda da Hermès também são estampados e costurados à mão. Alguns designs levam até dois anos para serem finalizados. A cultura e o ofício que sustentam a marca são preservados pela mesma família há quase 200 anos. A casa Hermès foi construída sobre selas, e não sobre seda. Em 1837, Thierry Hermès começou vendendo arreios sob medida em Paris, o que levou a um ramo de malas e, eventualmente, a bolsas. Mais de um século depois, a Hermès se tornou uma marca de luxo avaliada em mais de 200 bilhões de dólares, com um catálogo que varia de roupas prontas para uso até joias, móveis e até mesmo uma mesa de bilhar de $272.000.
Dumas é a sexta geração da família a assumir a liderança da marca. Seu pai e avô trabalharam na 24 Faubourg em Paris, a loja âncora da Hermès por mais de um século. Desde pequeno, ele aprendeu a técnica do ponto de sela – a marca registrada das bolsas Hermès – no ateliê Faubourg, que ainda constrói selas até hoje. A atração pela Hermès, afirma Dumas, é fruto de um século de magistral artesanato e feliz acaso.
Um desses sucessos fortuitos é a famosa bolsa Kelly, projetada em 1935 pelo avô de Dumas. Ela não fez sucesso imediato, mas duas décadas depois, a atriz Grace Kelly a utilizou para esconder a barriga durante a gravidez, causando uma verdadeira onda de pedidos por essa bolsa específica. Além disso, os lenços da marca têm sido usados por membros da realeza e celebridades há anos, criando uma forma de marketing que o dinheiro não pode comprar.
Até mesmo as caixas icônicas da marca, com sua cor semelhante a um cítrico que a empresa registrou como marca nos EUA, foram fruto de um acidente feliz nos anos 1940. Em 1946, durante a escassez de materiais resultantes da Segunda Guerra Mundial, o fornecedor de papel das caixas estava sem o papel bege normalmente utilizado. “Ele disse: ‘Só tenho aquele rolo de papel laranja que ninguém quer'”, recorda Dumas. E essa cor se tornou uma parte chave da identidade da marca.
Foi também um golpe de sorte que levou à criação do símbolo da Hermès, a bolsa Birkin. Ela foi desenhada em 1984 pelo pai de Dumas após um encontro com a atriz britânica Jane Birkin em um voo para Londres. “Ela lhe disse: ‘Bem, deixe-me falar, não estou satisfeita com minha bolsa. Quero algo mais solto com alças maiores, e que seja sempre aberta quando eu a carrego'”, relata Dumas. Enquanto a atriz falava, seu pai, que tinha habilidades notáveis para esboçar, criou uma ilustração da bolsa que se tornaria um ícone mundial.
A Hermès é, sem dúvida, um brilhante exemplo de como inovação pode coexistir com uma rica tradição. Com um compromisso inabalável com a qualidade e um entendimento profundo da criação das expectativas de luxo, a marca continua a impressionar e a fascinar os amantes de moda ao redor do mundo.