A mais recente inovação da OpenAI, o Sora, um modelo de inteligência artificial projetado para gerar vídeos, levanta questões intrigantes sobre suas fontes de treinamento. Embora a OpenAI mantenha segredo sobre os dados específicos utilizados na formação deste novo sistema, relatos e análises sugerem que, pelo menos em parte, o modelo pode ter sido alimentado com material de transmissões ao vivo de jogos no Twitch, bem como com vídeos de gameplay. Esta revelação não apenas destaca as capacidades impressionantes do Sora, mas também acende um alerta sobre as possíveis implicações legais associadas ao uso de conteúdo de jogos sem a devida autorização.

O Sora foi oficialmente lançado na última segunda-feira, e desde então, usuários têm testado suas funcionalidades, dependendo da capacidade do sistema para lidar com a demanda. O modelo é capaz de gerar vídeos de até 20 segundos em diferentes formatos e resoluções a partir de apenas um prompt de texto ou imagem. Desde a sua apresentação inicial em fevereiro, quando a OpenAI mencionou o uso de vídeos de Minecraft como parte do processo de treinamento, surgiram questionamentos sobre quais outros conteúdos de jogos poderiam estar inclusos nessa base de dados.

As amostras produzidas pelo Sora revelam a capacidade de criar vídeos que remetem a jogos icônicos. Os exemplos incluem um clipe que se assemelha a um jogo clonado do Super Mario Bros., um vídeo de um shooter em primeira pessoa inspirado em franquias populares como Call of Duty e Counter-Strike, e até mesmo uma demonstração de um jogo de luta que evoca a estética dos clássicos jogos dos anos 90 da série Tartarugas Ninjas. A questão que surge é: até que ponto esses vídeos podem infringir direitos autorais, dado que muitos conteúdos gerados parecem ecoar universos protegidos por propriedade intelectual?

Além disso, o Sora demonstra uma familiaridade considerável com a estética de transmissões ao vivo no Twitch. Um dos vídeos gerados até apresenta uma semelhança notável com o popular streamer Raúl Álvarez Genes, conhecido como Auronplay. Outro exemplo inclui uma representação que lembra a personalidade de Imane Anys, a famosa streamer Pokimane, evidenciando que o modelo não apenas replica estilos, mas também compreende caras e marcas culturais da plataforma. Essa periculosidade na utilização de likenesses sem consentimento formal de seus criadores pode resultar na ocorrência de disputas legais severas.

É importante ressaltar que a OpenAI tem sido esquiva em relação à origem dos dados de treinamento. Em uma entrevista com o The Wall Street Journal, a ex-diretora de tecnologia da OpenAI, Mira Murati, não negou diretamente a utilização de conteúdos disponíveis no YouTube, Instagram e Facebook. No entanto, a OpenAI admite que utilizou dados “disponíveis publicamente” junto com dados licenciados de bibliotecas de mídia para desenvolver o Sora. Isso alimenta a especulação sobre a natureza do conteúdo que influenciou o Sora e, consequentemente, a possibilidade de que direitos autorais possam ter sido violados durante seu desenvolvimento.

Se o Sora realmente incorporou vídeos de gameplay em seu conjunto de dados, as implicações legais podem ser profundas. “Empresas que estão treinando em imagens sem licença de video game enfrentam múltiplos riscos”, afirma Joshua Weigensberg, advogado de propriedade intelectual da Pryor Cashman. Ele destaca que o treinamento de um modelo de IA generativo envolve, por definição, a cópia dos dados utilizados no treinamento. Portanto, dados de gameplays podem conter materiais protegidos por direitos autorais, levantando questões sobre as obrigações da OpenAI em relação a esses conteúdos.

Os modelos de IA generativa, como o Sora, operam de maneira probabilística. Isso significa que, ao serem treinados com uma grande massa de dados, eles aprendem padrões para fazer previsões. Contudo, esse aprendizado pode resultar na reprodução quase idêntica de exemplos presentes nos dados de treinamento, o que tem gerado descontentamento entre criadores que veem suas obras sendo utilizadas sem autorização. Com um número crescente de processos judiciais, empresas como Microsoft e OpenAI enfrentam ações legais relacionadas a suas ferramentas de IA que geram output de materiais licenciados.

À medida que mais criadores buscam justiça na esfera judicial, a situação se mostra complexa, especialmente em um cenário onde diferentes camadas de direitos autorais podem estar em jogo, como observado por Evan Everist, advogado especializado em direitos autorais. Um exemplo notável é o jogo Fortnite da Epic Games, onde conteúdos gerados pelo usuário podem adicionar outra camada de propriedade intelectual a um vídeo de gameplay. Essa multipolaridade de direitos pode tornar a situação ainda mais arriscada para empresas que desenvolvem IA treinada com esses vídeos.

Embora os litigantes aleguem proteção por uso justo, a deliberação sobre o que constitui uma obra transformativa em um tribunal continua nebulosa. Em um caso anterior, um tribunal decidiu que a cópia de milhões de livros pelo Google era aceitável em contextos de digitalização, mas isso não garante imunidade para as empresas de IA que praticam atividades semelhantes. Se um modelo generativo reproduzir um trabalho protegido por direitos autorais, um indivíduo que publicar esse output pode enfrentar acusações de violação, mesmo que a empresa tenha uma declaração de isenção para seus clientes corporativos.

Ao discutir riscos legais, Weigensberg adverte que a implicação não se limita apenas à violação de direitos autorais, mas também envolve o uso de marcas registradas e a possível violação de direitos de imagem. Com a crescente curiosidade em torno dos “modelos mundiais”, que envolvem a geração de jogos em tempo real, o risco de que esses jogos sintéticos se aproximem demais do conteúdo em que o modelo foi treinado se torna um fator crítico que as empresas precisam considerar. À medida que o cenário legal continua a evoluir, as tecnologias de IA generativas enfrentarão desafios significativos, não apenas na defesa de sua metodologia de treinamento, mas também na gestão de seu impacto sobre as propriedades intelectuais das indústrias criativas, incluindo a esfera dos jogos.

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