A chegada de Secret Level, a nova antologia de animação dedicada aos videogames produzida pela Amazon, gerou grandes expectativas no universo gamer. Com uma proposta de combinar belíssimas animações com narrativas envolventes, a série é, nas palavras do criador Tim Miller, um “bilhete de amor” aos jogos que marcaram nossa infância e continuam a influenciar gerações. No entanto, após assistir aos 15 episódios, a questão que fica é: será que realmente cumpriu essa promessa ou, na verdade, virou apenas uma série de propagandas disfarçadas?

Antes de entrar nas armadilhas e triunfos da série, é importante contextualizar a produção. Secret Level, desenvolvida pelo estúdio Blur em colaboração com os estúdios MGM da Amazon, revela um nível de animação impecável, reconhecido por seu trabalho em trailers cinematográficos de games ao longo da última década. No entanto, o que poderia ser uma poderosa antologia de histórias se transforma, em muitos episódios, em algo que lembra uma coleção de trailers que tentam, em vão, criar um impacto emocional. Os episódios, embora visualmente deslumbrantes, tendem a compartilhar uma mesma batida emocional, resultando em experiências que, por vezes, se assemelham a comerciais elaborados.

Um dos aspectos mais intrigantes da série é a seleção dos jogos que são abordados em cada episódio. Desde Concord, um shooter heroico pouco promovido pela Sony, até a demonstração do MMO New World, claramente há uma estratégia voltada não apenas para a exploração artística das histórias, mas também para o marketing de jogos que estão sendo lançados ou que estão em desenvolvimento ativo. É como se a Amazon estivesse utilizando a antologia como um veículo para confirmar a sua presença no mercado de jogos, ao invés de oferecer uma narrativa coesa que realmente reverberasse o que os jogos representam para sua base de fãs.

Ao analisar alguns dos episódios, como o do jogo Exodus: Odyssey, notamos uma certa falta de compromisso narrativo. Lançado menos de um ano atrás com pouca presença até mesmo em trailers, não parece haver justificativa para seu destaque na antologia. A presença de Dungeons & Dragons também suscita questionamentos, uma vez que a transformação das propriedades de Wizards of the Coast em produtos de marketing ultrapassa o limite do que poderia ser contado como uma história envolvente.

Um dos episódios, sem dúvida, se destaca pela falta de sutileza em sua crítica social: a entrega de uma jovem que, ao lidar com a monotonidade de seu trabalho, encontra um escape em um mundo digital. Embora isso traga reflexões sobre a cultura corporativa e a manipulação do consumidor, a resolução da narrativa se perde em cameos de personagens da PlayStation que parecem mais um apelo à nostalgia do que uma narrativa criativa. A ideia de que o mundo dos jogos é um “escape seguro” da dureza do trabalho cotidiano é uma armadilha que muitos podem cair, porém a crítica à forma como as empresas manipulam seus consumidores não é abordada com a profundidade que o tema merece.

A utilização de estilísticas de animação únicas em alguns episódios traz uma lufada de ar fresco à série. Os episódios baseados em Sifu e Spelunky se destacam por suas abordagens visuais e narrativas que abraçam os traços únicos dos jogos. Enquanto Sifu captura a essência do roguelike de artes marciais, Spelunky traz uma aventura recheada de emoção, completamente distinta do que vimos em outras partes da série. Esses momentos disruptivos são vitais, mas ainda assim estão cercados por uma vasta maioria que não se destaca de maneira significativa.

Embora episódios como o de PAC-Man tragam uma interessante reinterpretação no formato de horror corporal, a escolha de torná-lo um thriller psicológico destoa da proposta leve geralmente associada ao jogo clássico do arcade, criando uma dissonância no espectador. De fato, Pac-Man e Mega Man foram revisitados de formas que, embora artísticas, trazem uma certa sensação de desconexão com a tradição e a história de cada franquia.

Em conclusão, Secret Level apresenta um paradoxo: uma antologia com uma animação estonteante que, em vez de honrar a rica tapeçaria das histórias dos videogames, acaba por se assemelhar a uma sequência de anúncios disfarçados. A série, que deveria ser uma celebração das narrativas dos jogos, infelizmente deixa uma impressão de merchandising mais do que de melodrama. O produto final é uma coleção irregular que, apesar de suas várias falhas, pode ainda encontrar um espaço no coração de aficionados por games que se deixem levar pelas cores vibrantes e pelas marcas que um dia amaram. Contudo, para aqueles que esperavam algo profundamente significativo e mais autêntico, é preciso encarar a dura realidade: Secret Level é uma promessa não cumprida.

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