Nova York
CNN
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O ano terrível da Boeing culminou em uma tragédia no último domingo, quando um Boeing 737 da companhia aérea sul-coreana low-cost Jeju Air sofreu um acidente que resultou na morte de 179 passageiros e tripulantes a bordo. Este acidente não apenas marca um dos piores eventos na história recente da aviação, mas também sinaliza o fim de um ano recheado de problemas para a Boeing e suas operações.

A causa do acidente ainda não foi determinada, e uma investigação será realizada, podendo levar meses para que conclusões sejam tiradas. Até o momento, não há evidências que vinculem a queda ao processo de fabricação da Boeing, mas o clima de incerteza paira sobre a empresa, que já enfrentou uma série de crises em anos anteriores.

A Boeing, em declaração oficial, afirmou: “Estamos em contato com a Jeju Air no que diz respeito ao voo 2216 e nos colocamos à disposição para oferecer todo o apoio necessário. Nossas mais profundas condolências às famílias que perderam seus entes queridos, nossos pensamentos estão com os passageiros e tripulantes”.

Independentemente da conclusão que se chegar sobre este último acidente, ele encerra um ano repleto de incidentes vergonhosos e aterradores para o fabricante de aviões, sendo que muitos deles são claramente atribuídos à Boeing. Os desafios da companhia em administrar sua segurança e qualidade suscitam sérias preocupações sobre sua capacidade operacional frente a tantos contratempos.

As ações da Boeing (BA) caíram cerca de um terço em 2024, com um fechamento em baixa de mais de 2% na segunda-feira após o acidente. Após a saída do CEO e de outros executivos proeminentes neste período, as incessantes manchetes negativas levantaram sérias dúvidas sobre a capacidade da empresa de lidar com os padrões de segurança necessários para a operação de suas aeronaves.

Incidente com a Alaska Air

O início deste ano foi marcado por um incidente sério em que um plugue de porta foi projetado para fora do lado de um 737 Max da Alaska Airlines, momentos após a decolagem de Portland, Oregon. O ar do cabine escapou rapidamente, levando roupas e telefones celulares dos passageiros para fora da aeronave.

Felizmente, apesar do medo, ninguém ficou gravemente ferido, e a aeronave fez um pouso sem incidentes poucos minutos depois. A investigação preliminar do National Transportation Safety Board revelou que a aeronave havia saído da fábrica da Boeing dois meses antes, faltando os quatro parafusos necessários para manutenção do plugue na porta.

Uma película de plástico cobre uma área do fuselagem do avião da Alaska Airlines que perdeu um plugue de porta logo após decolar de Portland, Oregon, em 5 de janeiro.

Antes do incidente de 6 de janeiro, a aeronave havia realizado 153 voos e, por pura sorte, o plugue de porta não havia se soltado em um voo anterior que poderia ter resultado em um acidente fatal.

O incidente resultou em diversas investigações federais, não só pelo NTSB, mas também pelo Congresso, pela Administração Federal de Aviação e pelo Departamento de Justiça. O FBI notificou os passageiros do voo que poderiam ser considerados vítimas de crime, e a investigação da FAA resultou em uma supervisão aumentada da Boeing, incluindo limitações na quantidade de aeronaves que a empresa poderia produzir. Também atrasou a possível certificação de duas novas versões do Max que a Boeing planejava entregar este ano.

As investigações e audiências trouxeram depoimentos de vários denunciantes da Boeing, que relataram problemas com os padrões de qualidade e com os procedimentos utilizados para construir aeronaves, além de pressão para priorizar a velocidade de produção em detrimento da segurança das aeronaves, e retaliação contra funcionários que reclamavam. A Boeing se defendeu dizendo que tem adotado medidas para melhorar a qualidade e a segurança e para encorajar os empregados a anunciarem qualquer preocupação.

Confissão de culpa criminal

O incidente da Alaska Air reabriu a possibilidade de nova acusação criminal contra a Boeing, que havia acordado um settlement três anos antes. Em julho, a Boeing concordou em se declarar culpada de acusações federais de ter enganado a FAA durante o processo de certificação inicial do 737 Max. De acordo com o acordo, a empresa concordou em pagar até US$ 487 milhões em multas, o que é o dobro do que havia pago sob um acordo de acusação diferida de 2021.

A consequência mais séria para a Boeing foi a concordância em operar sob a supervisão de um novo monitor nomeado pelo governo.

Contudo, em outubro, um juiz federal rejeitou o acordo em parte devido a questionamentos sobre como seria selecionado esse monitor nomeado pelo governo, deixando a punição final ainda incerta.

Astronautas isolados

Em junho, a Boeing finalmente lançou uma missão tripulada com sua espaçonave Starliner, transportando os astronautas da NASA Butch Wilmore e Suni Williams para a Estação Espacial Internacional.

Essa missão era muito esperada, após anos de desenvolvimento e problemas nos voos de teste que deixaram a empresa muito atrás de sua concorrente SpaceX e sua espaçonave Dragon no transporte de astronautas para fora da atmosfera terrestre.

A espaçonave Starliner da Boeing, que lançou os astronautas da NASA Butch Wilmore e Suni Williams para a Estação Espacial Internacional.

Entretanto, a alegria durou pouco: logo após a chegada da Starliner, a NASA revelou que vazamentos de hélio e falhas nos propulsores tornaram inseguro o retorno da Starliner com os dois astronautas à Terra, como planejado originalmente.

A espaçonave acabou retornando à Terra sem ninguém a bordo, e Wilmore e Williams aguardam um transporte de volta em um SpaceX Dragon, programado para o início de 2025. O futuro de quando a Starliner da Boeing estará apta a transportar novamente astronautas e cumprir o contrato com a NASA ainda é incerto.

Greve paralisante

Em setembro, 33.000 membros da Associação Internacional de Mecânicos iniciaram uma greve que paralisou a produção do 737 Max e de aeronaves cargueiras da empresa. Os membros do sindicato votaram quase por unanimidade para rejeitar um acordo provisório que havia sido firmado entre a empresa e a liderança do sindicato cerca de uma semana antes.

Muitos dos trabalhadores ainda estavam descontentes com a perda do plano de pensão tradicional há dez anos e continuaram em greve por quase dois meses. Eles rejeitaram uma oferta subsequente antes de finalmente votarem a favor de uma terceira proposta que lhes garantiu um aumento imediato de 13%, além de aumentos de 9% para os próximos dois anos, e mais 7% no quarto e último ano do contrato, totalizando um aumento salarial de 43% durante a vigência do contrato.

Trabalhadores da Boeing da Associação Internacional de Mecânicos realizam uma marcha durante uma greve em andamento na Boeing em 15 de outubro. A greve paralisou a maior parte da produção de aviões comerciais da Boeing.

Além do custo do novo acordo trabalhista, a paralisação foi a mais dispendiosa greve americana do século XXI, custando à empresa, seus trabalhadores e fornecedores mais de US$ 11,5 bilhões, segundo a Anderson Economic Group, uma empresa de pesquisa de Michigan especializada na estimativa de custos de paralisações trabalhistas. A Boeing levou aproximadamente um mês para retomar a produção uma vez que a greve terminou.

Durante a greve, a Boeing anunciou que precisaria demitir 10% de sua força de trabalho, que contava com 171 mil funcionários, como uma medida de contenção de despesas para limitar as perdas futuras.

Perdas acumuladas

Em outubro, a Boeing anunciou um de seus piores trimestres financeiros em anos, com a perda operacional central chegando a US$ 6 bilhões no terceiro trimestre. A empresa se preparava para relatar sua maior perda anual desde 2020, quando lidava tanto com a suspensão do 737 Max quanto com a pandemia de Covid-19, que levou a perdas massivas em todo o setor aéreo global.

Aviões Boeing 737 MAX estão sendo montados em uma fábrica em Renton, Washington.

As perdas trimestrais não vieram apenas da greve, que afetou apenas as duas últimas semanas do período. A Boeing registrou uma provisão pré-impostos de US$ 3 bilhões por novas dificuldades em seu jato comercial de nova geração, o 777X, que teve problemas durante os voos de teste e agora só será entregue aos clientes em 2026.

A Boeing alertou que as perdas provavelmente continuarão durante 2025, enquanto a empresa busca retomar a produção em níveis de lucratividade. Desde o início de 2019, a empresa perdeu US$ 39,3 bilhões, quando o segundo acidente fatal de seu principal jato de passageiros, o 737 Max, resultou em uma suspensão de 20 meses do modelo. Desde então, a Boeing reportou perdas em praticamente todos os trimestres. Sua classificação de crédito está perto de ser rebaixada para a categoria de títulos especulativos pela primeira vez em sua história.

Jeju Air

O ano da Boeing terminou em tragédia. O trem de pouso do avião da Jeju Air parecia não estar estendido enquanto a aeronave tentava pousar. Foram feitos relatos de uma colisão com uma ave, levando os pilotos da aeronave a emitirem um chamado de socorro enquanto a aeronave se aproximava do aeroporto em Muan, na Coreia do Sul.


O avião, um 737-800, possui um histórico de segurança muito forte, ao contrário de seu sucessor 737 Max. O 737 Max teve inúmeros problemas, incluindo acidentes fatais em 2018 e 2019 que resultaram na morte de 347 pessoas e que levaram a um período de 20 meses sem operação para corrigir falhas de design.

Dados da Boeing demonstram que o 737-800 possui uma das menores taxas de acidentes fatais na indústria, comparando-se ao número de voos realizados.

É pouco provável que um avião de 15 anos, como aquele que sofreu o acidente no domingo, tenha problemas causados por falhas de design ou problemas de produção atribuídos à Boeing. Contudo, ainda é muito cedo para determinar por que o trem de pouso do avião da Jeju Air não estava estendido na hora do acidente.

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