Washington
CNN
O retorno de Donald Trump à cena política vem acompanhado de discussões intensas sobre o combate ao narcotráfico. A equipe do presidente eleito está considerando a designação dos cartéis mexicanos como organizações terroristas, uma ideia que emergiu anteriormente, mas que não se concretizou durante seu primeiro mandato. Informações reveladas por fontes próximas às discussões indicam que a designação tem um potencial impacto e levanta questionamentos sobre a abordagem dos Estados Unidos em relação ao crime organizado nas suas terras vizinhas.
Na reta final de seu primeiro mandato, em 2019, Trump havia estado prestes a classificar os cartéis mexicanos como organizações terroristas. No entanto, ele optou por adiar essa decisão a pedido do então presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador. Esta manobra foi complicada por uma resistência significativa dentro do Departamento de Justiça de Trump, onde tanto os funcionários de carreira quanto os nomeados se opuseram à ideia de classificar os cartéis dessa maneira, citando potenciais repercussões legais e diplomáticas.
Embora a designação tenha ficado em segundo plano, o conceito não foi completamente abandonado. Nos anos seguintes, republicanos em diversas esferas começaram a resgatar a proposta, sugerindo a introdução de legislação que classifica seletivamente certos cartéis como organizações terroristas estrangeiras. Esses cartéis são responsáveis por faturar bilhões de dólares e controlarem uma parte significativa do fluxo de drogas ilícitas para os Estados Unidos, estando também envolvidos em tráfico humano e outros crimes sérios.
À medida que Trump se prepara para retornar ao cargo, as discussões sobre a designação voltam a ganhar impulso. Fontes indicam que, embora não esteja claro se Trump se mova para classificar os cartéis logo no primeiro dia de governo, as conversas em torno das entidades que poderiam ser incluídas e a cronologia de eventuais decisões estão em andamento. Essa avaliação tem sido acompanhada de perto, já que o discurso em torno do combate às drogas continua a ser uma prioridade para a administração republicana.
Enquanto se preparava para um discurso no Arizona em dezembro, Trump confirmou seus planos de classificar os cartéis como organizações terroristas estrangeiras, o que poderia abrir espaço para o uso da força militar em solo mexicano. Ele não hesitou em mencionar a possibilidade de bombardear laboratórios de fentanil e enviar forças especiais para eliminar líderes dos cartéis, ações que, se implementadas, poderiam violar a soberania do México e desestabilizar relações com um dos maiores parceiros comerciais dos Estados Unidos.
A designação dos cartéis como organizações terroristas também poderia resultar em penalidades financeiras mais severas e consequências legais para os envolvidos. No entanto, especialistas afirmam que essa ação poderia deteriorar ainda mais a relação já frágil entre os Estados Unidos e o México, criando um ambiente de desconfiança e antagonismo entre os dois países.
A designação é feita pelo secretário de Estado, em coordenação com o procurador-geral e o secretário do Tesouro, que notificam o Congresso posteriormente. Atualmente, estão designadas como organizações terroristas grupos como ISIS, Boko Haram e Hamas, entre outros, o que ilustra o peso que uma tal classificação carrega.
As agências federais já dispõem de várias ferramentas para combater organizações criminosas transnacionais. Sob a administração Biden, o Departamento de Segurança Interna lançou um esforço interagências, investindo US$ 50 milhões e aumentando em mais de 1.300 o número de funcionários na América Latina para enfrentar redes de tráfico humano. A Operação Sentinel, por exemplo, buscou restringir a capacidade dos traficantes e seus associados de viajar, conduzir comércio ou financiar operações, em uma tentativa de abafar suas atividades.
Outro exemplo é a Força-Tarefa Conjunta Alpha, que se concentra na investigação e na acusação de redes de tráfico de seres humanos e smuggling que operam no México e no Triângulo Norte. Apesar de especialistas e ex-oficiais de Segurança Interna argumentarem que o governo tem ferramentas suficientes para lidar com organizações criminosas transnacionais, a pressão para a designação reflete preocupações políticas e a necessidade urgente de resultados visíveis.
Nas discussões atuais, muitos políticos republicanos, incluindo o presidente da Câmara dos Representantes, Mike Johnson, reiteram a necessidade de garantir que medidas mais contundentes sejam tomadas contra os cartéis. Um olhar mais incisivo, ou “tirar as luvas”, como alguns expressam, significa que operações conjuntas e alvos financeiros poderiam ser uma estratégia viável e necessária. A designação teria a capacidade de eliminar as barreiras burocráticas que dificultam uma resposta eficaz ao tráfico de drogas e ao crime organizado.
A Reintrodução da Designação de Cartéis
No transcorrer do primeiro mandato de Trump, o ex-procurador-geral William Barr se mostrou aberto à ideia, embora estivesse ciente dos riscos de tal movimento. Em uma reunião no Salão Oval em 2019, Barr e outros funcionários do Departamento de Justiça debateram as questões enfrentadas pelo México e seus desafios com os cartéis. O ex-procurador buscou soluções através da negociação e da cooperação com as autoridades mexicanas, mas a questão da designação continuava à espreita.
Mais recentemente, Barr revisitou a noção de designar os cartéis como organizações terroristas. No entanto, ele sustenta que essa designação não é suficiente. Em seu livro de memórias e em uma coluna de opinião publicada em março de 2023 no Wall Street Journal, Barr apontou para o aumento das mortes por overdose devido ao fentanil como uma justificativa para que o Congresso conceda ao presidente a autoridade de usar a força militar dos EUA contra os cartéis no México.
Em seu artigo no Journal, Barr sugere que as autoridades mexicanas deveriam aceitar a ajuda limitada do exército dos EUA, juntamente com operações de inteligência e policiamento, para enfrentar uma ameaça que ele caracteriza como narco-terrorismo. Ele comparou a situação com a da Síria, onde os Estados Unidos usaram força militar contra o ISIS após a determinação de que o governo sírio não tinha mais controle sobre seu território.
A questão da soberania mexicana é um tema sensível. Nos últimos meses do primeiro mandato de Trump, o governo mexicano expressou sua indignação com a prisão em 2020 do ex-secretário da Defesa mexicano, Gen. Salvador Cienfuegos Zepeda, resultando em um congelamento temporário da cooperação entre os dois países. Barr foi forçado a devolver Cienfuegos ao México para garantir a continuidade de acordos mais amplos que Trump considerava prioritários, como a colaboração no enfrentamento da imigração.
Com a administração Biden, as relações chegaram a um ponto crítico, com uma série de visitas de altos funcionários, incluindo a vice-presidente Kamala Harris, a México, visando restaurar o diálogo e a cooperação em questões relacionadas ao narcotráfico e imigração. Essa complexidade nas relações EUA-México continua a influenciar as decisões políticas e estratégias relacionadas à narcotráfico e crime organizado.