Recentemente, em uma entrevista ao portal Games Industry.biz, o famoso criador de jogos Ken Levine expressou sua insatisfação com o que considera ser o design de seu jogo mais icônico, BioShock, descrevendo-o como “um corredor muito, muito longo”. Este comentário negativo foi feito em contraste com seu novo projeto, um jogo de tiro em primeira pessoa de ficção científica chamado Judas, que, segundo ele, está sendo desenvolvido com um enfoque que valoriza mais a “agência dos jogadores”. Ao fazer essa distinção, Levine levanta um debate interessante sobre o valor do design de corredor nos jogos e como esse tipo de desenvolvimento pode ser mal interpretado na contemporaneidade, onde os jogos de mundo aberto estão em alta.
Para entender melhor o que Levine e muitos outros estão dizendo quando falam sobre “corredores”, é importante destacar o conceito. Um “corredor” no design de jogos se refere a um caminho predeterminado, onde os jogadores seguem uma trilha específica sem liberdade para desviar ou explorar. Com a crescente popularidade de jogos de mundo aberto, a abordagem dos corredores, que antes caracteriza muitos clássicos, passou a ser vista como obsoleta, limitando a liberdade do jogador. No entanto, essa perceção necessita ser revisada, pois a designação de corredor pode reduzir a riqueza de experiências oferecidas por tais jogos.
Quando olhamos para a história dos jogos, percebemos que o conceito de corredor não é sinônimo de limitações. Na verdade, jogos como Return to Castle Wolfenstein, Doom e até mesmo Half-Life 2 são exemplos de como essa estrutura de design pode criar experiências imersivas e envolventes. Com o comentário de Levine sobre BioShock, é fundamental ressaltar que muitos jogadores, ao concluírem a aventura em Rapture em 2007, não sentiram que estavam apenas percorrendo um corredor linear. Ao contrário, eles vivenciaram um universo rico em escolhas, onde as decisões sobre como abordar desafios e a interação com o ambiente eram áreas de verdadeiro envolvimento. O jogo oferecia uma sensação intensa de liberdade, desde os estilos de combate até as interações com os personagens, como as famosas Little Sisters.
Levine não hesita em tocar na natureza controladora da narrativa em BioShock, onde os jogadores eram guiados em determinadas direções por motivos muito específicos: a construção da história. Essa estratégia não somente adiciona um toque dramático, mas também intensifica o impacto emocional da vivência do jogador. E é aqui que se desenrola uma discussão fascinante: ao menosprezar os corredores como uma escolha de design, corremos o risco de perder experiências profundas que revelam o poder da narrativa de um jogo, potencialmente prejudicando o que muitos consideram uma experiência extraordinária em BioShock.
É compreensível que jogadores modernos prefiram a liberdade dos mundos abertos, onde o exploratório e a personalização das jornadas são valiosos. No entanto, essa liberdade pode, em certos aspectos, ofuscar uma narrativa mais cuidada e expressiva, uma cores do que é conhecido como “experiência linear”. Os relatos de eventos significativos nos jogos geralmente dependem de uma estrutura que controla o tempo e a ordem em que são apresentados, semelhante à forma como a literatura nos guia através das páginas. Assim, quando se diz que um jogo é um corredor, isso não deve ser uma crítica, mas antes uma reflexão sobre como experiências narrativas podem ser construídas ao longo de um caminho aparentemente restrito.
A controvérsia aqui não é sobre abolir o design do corredor, mas sobre reconhecer seu valor na construção de experiências significativas. Como exemplo, podemos destacar as narrativas de jogos como Mass Effect, que promovem experiências emocionais significativas em cenários lineares, subvertendo a noção de que apenas jogos de mundo aberto devem assegurar a agência do jogador. Essa gestão entre a narrativa e a liberdade é o que permite a muitos jogos a ressonância e o impacto que eles possuem.
Por fim, a mensagem transmitida por Levine, embora focada no seu desejo de criar uma experiência que promova uma maior liberdade ao jogador em Judas, levanta uma questão importante sobre a diversidade no design de jogos. Embora a inovação seja essencial, também é crucial reconhecer e valorizar as diversas abordagens que contribuem para uma experiência rica e imersiva. Afinal, não se trata apenas de definir o que o jogador pode fazer em um jogo, mas de como essas escolhas são moldadas e influenciadas pelas experiências que os desenvolvedores desejam compartilhar. A narrativa e o design de corredor têm um lugar válido e, como tal, não devem ser relegados a um mero eco do passado. Eles têm, e sempre terão, o potencial de conduzir momentos impactantes que fazem dos jogos uma forma de arte apreciada e vibrante.
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