A nova administração síria enfrenta severas críticas após anunciar mudanças controversas no currículo educacional, objetivo aparentemente redirecionado para uma perspectiva mais religiosa e menos secular. Essas alterações, que foram divulgadas oficialmente nas redes sociais do Ministério da Educação, suscitou um intenso debate na sociedade e nas plataformas digitais, com muitos usuários questionando as implicações dessas modificações para a educação e a formação das futuras gerações do país.
Dentre as mudanças apresentadas, destaca-se a substituição de termos considerados “neutros” por conteúdos com conotação religiosa, como o uso da expressão “caminho do bem” pelo termo “caminho islâmico.” Além disso, uma frase que anteriormente se referia a “aqueles que têm” agora foi alterada para “judeus e cristãos,” refletindo uma interpretação mais conservadora de passagens do Alcorão. Essa modificação gerou desconforto e críticas, especialmente considerando a diversidade religiosa presente na Síria, onde muçulmanos e cristãos coexistem há séculos.
Outro ponto que chamou a atenção foi a redefinição do termo “mártir,” que passou de alguém que morreu pela pátria para alguém que se sacrificou “pelo amor a Deus.” Tais expressões podem moldar a visão das crianças sobre o patriotismo e a religião, o que preocupa educadores e especialistas em direitos humanos. Além disso, alguns capítulos integralmente removidos do currículo levantaram bandeiras de alerta, em especial o que versava sobre “as origens e a evolução da vida,” um tema relevante para qualquer formação científica básica e que está em desacordo com visões fundamentalistas.
A revolta nas redes sociais foi imediata. muitos usuários expressaram alarmes sobre o potencial impacto dessas mudanças na educação, invocando cuidados éticos sobre a formulação de currículos em um país tão afetado por conflitos e tensões políticas. Os críticos questionaram se um governo interino deve ou tem autoridade para fazer tais alterações em um sistema educacional que deveria ser imune a influências políticas ou ideológicas. Um dos usuários comentou: “Um governo interino não tem o direito de decidir sobre o futuro educacional das crianças,” enfatizando que mudanças deste tipo deveriam ser acompanhadas por um novo constituição e um retorno à normalidade política.
O novo governo sírio, que emergiu após a destituição do ex-presidente Bashar al-Assad, liderado pelo grupo Hayat Tahrir al-Sham (HTS), caracteriza-se pela tentativa de distanciar-se da herança al-Qaeda e busca ser aceito internacionalmente. No entanto, as medidas atuais levantam questões sobre o compromisso do governo com a liberdade educacional e o pluralismo. O líder do HTS, Ahmed al-Sharaa, tem promovido um novo governo baseado na tolerância e inclusão, mas as mudanças curriculares parecem contradizer essa mensagem e exacerbam as divisões internas.
Enquanto algumas reformas relacionadas ao legado da administração Assad têm sido populares entre os cidadãos, as modificações sobre a educação religiosa parecem mais invasivas e polarizadoras, gerando indagações importantes sobre a manipulação ideológica e a capacidade do governo atual de proporcionar um ambiente educacional que respeite a pluralidade cultural e religiosa da Síria.
Em resposta às críticas, o Ministério da Educação publicou uma declaração tentando minimizar as mudanças propostas, ressaltando que o currículo em todas as escolas na Síria ainda permanecerá inalterado até que comitês especializados sejam formados para revisão. A incerteza sobre quais exatamente seriam essas “revisões especializadas” deixa a população cética e apreensiva.
Além disso, o novo ministro da educação, Nazir Mohammad al-Qadri, declarou anteriormente que as disciplinas islâmica e cristã continuariam a ser ensinadas nas escolas, com o compromisso de manter as escolas primárias mistas entre meninos e meninas. Contudo, o ensino secundário permanecerá amplamente segregado. Apesar de seu discurso conciliador, a recepção negativa das reações populares pode indicar que o governo encontrará desafios contínuos. Assim, a administração precisará garantir que os valores de diversidade e inclusão sejam efetivamente incorporados em suas políticas educativas se deseja ganhar a confiança da população.
À medida que as tensões sobre o papel da religião na educação síria continuam a aumentar, a questão de como esse novo governo se gerenciará, especialmente com um horizonte eleitoral de até quatro anos, continua sem uma resposta clara. A única certeza é que as reações à nova configuração política e educacional da Síria farão parte de um debate mais amplo sobre identidade, religião e a busca por estabilidade em um país que, há décadas, vive no limiar da guerra e da transformação.
A Síria, um país historicamente rico em diversidade cultural e religiosa, encontra-se em um momento crucial de sua história. As decisões atuais vão impactar diretamente seus cidadãos e a forma como o país pode se reerguer após anos de conflito.