Hong Kong
CNN
A recente decisão do Departamento de Defesa dos Estados Unidos de incluir as empresas Tencent, um gigante das redes sociais e jogos, e CATL, o maior fabricante de baterias do mundo, na lista de corporações que, segundo alegações, mantêm laços com o exército da China, configura um capítulo alarmante dentro de uma rivalidade tecnológica em crescente escalada entre Washington e Pequim.
A inclusão na lista conhecida como 1260H não implica em sanções imediatas, mas pode comprometer a reputação das empresas mencionadas e dificultar seu avanço comercial, especialmente para aqueles que almejam fazer negócios nos Estados Unidos. É um aviso que ressoa no modo como os negócios são realizados atualmente, pois, com o crescente ceticismo em relação à segurança nacional, cada vez mais empresas se veem pressionadas a se desvincular de qualquer associação militar, real ou imaginária.
Como resultado dessa nova inclusão, as ações da Tencent, que é proprietária do superaplicativo WeChat, caíram 6,5% em Hong Kong na terça-feira, enquanto as ações da CATL, listadas em Shenzhen, sofreram uma queda superior a 3%. Isso ilustra a volatilidade do mercado quando aspectos geopolíticos se entrelaçam com as economias globais.
Ambas as empresas agora se juntam a várias outras que estão sob o olhar do Pentágono, que alega que essas corporações operam direta ou indiretamente nos EUA. Um aviso publicado no Federal Register na segunda-feira revela o crescente número de empresas chinesas que são alvo da vigilância dos Estados Unidos, e traz à tona questões sobre o controle e uso de tecnologias emergentes.
O Pentágono declarou que a lista 1260H, que é atualizada anualmente, é um esforço contínuo importante para destacar e contrabalançar a estratégia de “fusão militar-civil” da China. Este projeto visa desenvolver um dos exércitos mais tecnologicamente avançados do mundo, eliminando barreiras entre a pesquisa civil do país e suas forças armadas. Essa estratégia, que data desde os anos 90, ganhou força significativa após 2014, quando se tornou parte da visão de Xi Jinping para transformar a China em uma superpotência econômica, tecnológica e militar.
Tencent reagi ao ser incluída nesta lista, chamando a decisão de “um erro”. A empresa afirmou: “Nós não somos uma empresa ou fornecedora militar. Diferentemente das sanções ou controles de exportação, essa listagem não tem impacto em nossos negócios. No entanto, iremos trabalhar com o Departamento de Defesa para resolver qualquer mal-entendido”. Essa declaração evidencia o estresse que a indústria tecnológica enfrenta na interseção de interesses comerciais e considerações de segurança nacional.
A CATL, que fornece baterias para a Tesla e planeja oferecer seus “conhecimentos” e serviços para ajudar a Ford a fabricar baterias de íon de lítio em uma planta no estado de Michigan, também não se manifestou diretamente sobre a inclusão na lista, mas está sob a mesma pressão do mercado. O ambiente torna-se ainda mais conflituoso à medida que a rivalidade entre as duas nações se intensifica.
A ascensão e investimentos da China em tecnologias inovadoras suscitam um temor crescente em Washington. Recentemente, o governo chinês anunciou planos de limitar a exportação de tecnologia utilizada na extração de minerais cruciais para o crescimento da indústria global de veículos elétricos. Os Estados Unidos enfrentam, portanto, um dilema que combina oportunidades e desafios. A administração Biden, por sua vez, promoveu novos controles de exportação sobre semicondutores fabricados nos EUA, uma medida que busca evitar que a China utilize essas tecnologias para desenvolver seu arsenal militar e ferramentas de inteligência artificial.
O Departamento de Comércio dos EUA afirmou que o objetivo dessas restrições é desacelerar o desenvolvimento da China em ferramentas avançadas de inteligência artificial que podem ser usadas em conflitos e frear a indústria de semicondutores do país, algo que a Casa Branca considera uma ameaça à segurança nacional dos EUA e de seus aliados. Esse cenário inscreve-se em um contexto mais amplo de rivalidades internacionais, onde a corrida por tecnologia se torna um elemento central nas dinâmicas de poder.
Desmantelando barreiras entre as indústrias militar e civil na China
Desde que assumiu o poder, em 2012, o líder chinês Xi Jinping implementou reformas abrangentes para transformar as Forças Armadas da China em uma potência militar de classe mundial. A modernização da força militar da China é sustentada por um esforço deliberado de integrar melhor o setor privado do país e sua base industrial de defesa. Essa interligação se traduz não apenas em compartilhamento de recursos, mas também em uma colheita de talentos e tecnologias de ponta.
“A China está exigindo que suas empresas apoiem o Exército Popular de Libertação (PLA)”, afirmou Isaac Stone Fish, CEO e fundador da Strategy Risks. “Empresas americanas que têm parcerias importantes com grandes firmas chinesas, como a Ford com a CATL, precisam compreender que os riscos regulatórios, econômicos e de relações públicas dessas associações continuarão a crescer”. O mundo dos negócios está, de fato, se tornando cada vez mais complexo e repleto de nuances, especialmente quando legisladores e investidores tentam navegar por um cenário onde a segurança nacional pode facilmente se sobrepor a lucros e parcerias.
Ivan Su, analista sênior de ações da Morningstar, destacou que devido ao modelo de negócios da Tencent, focado em redes sociais e jogos, a empresa “tem boas chances de conseguir uma exclusão judicial nos tribunais dos EUA”, assim como a fabricante de eletrônicos Xiaomi fez em 2021 em um caso distinto. A proteção à tecnologia cívica e as inovações têm demonstrado um certo grau de resiliência, confrontando pressões externas e mostrando que as empresas podem encontrar caminhos para se defender em um ambiente adverso.
O panorama é notório, já que em janeiro de 2021, nos últimos dias da administração Trump, o Departamento de Defesa incluiu a Xiaomi em uma lista similar sob a Seção 1237, que impôs restrições severas, incluindo uma proibição de investimento americano. Entretanto, antes que essa proibição pudesse ser efetivamente aplicada, um juiz federal concedeu uma reprieve temporária à empresa, determinando que Washington carecia de “evidências substanciais” para comprovar que a Xiaomi é controlada pelo exército chinês. Em maio do mesmo ano, o Departamento de Defesa e a Xiaomi chegaram a um acordo que resultou na suspensão da proibição.
A reportagem contou com a contribuição de Hassan Tayir. Esta história foi atualizada com informações adicionais.