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Na última semana, os Estados Unidos acusaram a milícia RSF (Forças de Apoio Rápido) no brutal conflito civil do Sudão de cometer genocídio. Esta é a segunda vez em duas décadas que um genocídio é declarado na nação do nordeste africano, onde milhares perderam a vida e milhões estão sob a pressão de uma crise humanitária sem precedentes.

Como o país chegou aqui?

Nos últimos 20 meses, dois dos generais mais poderosos do Sudão – Abdel Fattah al-Burhan, líder das Forças Armadas Sudanenses (SAF), e Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemedti, que comanda as forçar paramilitares RSF – têm competido ferozmente por território em um país que ainda se recupera do massacre de dezenas de milhares de pessoas no início dos anos 2000 e do deslocamento de milhões de outras. Ambos, que outrora eram aliados, juntos depuseram o presidente Omar al-Bashir em 2019 e promoveram um novo golpe em 2021, quando al-Burhan tomou o poder do governo de transição do país.

Atualmente, o Sudão está dilacerado pelo conflito, com o RSF acreditando-se que controle grande parte das regiões ocidentais e centrais do país, incluindo Darfur e partes da capital, Cartum. Mais de 11 milhões de pessoas foram deslocadas internamente desde o início das hostilidades em abril de 2023, segundo as Nações Unidas, enquanto milhões mais fugiram do Sudão.

A fome é generalizada e a ONU já alertou sobre a presença de condições de fome em várias áreas do país.

Quem foi citado como responsável?

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, afirmou que as forças de Hemedti perpetraram “ataques diretos contra civis”, incluindo o assassinato sistemático de “homens e meninos – até mesmo bebês – com base étnica”. Ele acrescentou que as forças também “miraram deliberadamente mulheres e meninas de certos grupos étnicos para estupros e outras formas de violência sexual brutal”, além de “matar civis inocentes que tentavam escapar do conflito e impedir o acesso a suprimentos essenciais”. Com base nessas informações, Blinken declarou que membros do RSF e milícias aliadas cometeram genocídio no Sudão.

Em resposta, o RSF criticou a decisão dos EUA como “injusta”, afirmando que a alegação de que o RSF cometeu genocídio no Sudão é “inexata”. A milícia tem um histórico de violência étnica, surgindo da milícia árabe Janjaweed, que supervisionou o genocídio no início dos anos 2000, resultando na morte de cerca de 300.000 pessoas.

Desde que o conflito eclodiu em abril de 2023 entre o RSF e o SAF, os assassinatos motivados etnicamente se intensificaram, especialmente na região ocidental de Darfur. O testemunho de 2023 revela que esta região vivenciou alguns dos mais graves assassinatos relacionados à etnia, quando centenas de pessoas de grupos étnicos não árabes foram massacradas pelo RSF e forças ligadas a ele.

Ambas as facções belicistas são cúmplices em abusos?

No ano passado, uma missão de investigação da ONU acusou tanto o SAF quanto o RSF de complicidade em crimes de guerra. Blinken também atribuiu responsabilidade pelos abusos a ambas as partes, reiterando que os EUA não apoiam nenhum dos lados e que as ações contra Hemedti e o RSF não significam apoio ao SAF. Ambos os beligerantes são responsáveis pela violência e sofrimento no Sudão, afirmou ele.

A ativista sudanesa Hala Al-Karib destacou em uma entrevista que sua organização documentou casos de violência sexual e exploração sexual cometido por combatentes tanto do SAF quanto do RSF, comparando a estratégia de violência sexual usada por essas facções como uma ferramenta de terror que força as comunidades a se submeterem ao RSF.

Estatísticas alarmantes emergem, com no mínimo 10 meninas, algumas com apenas 14 anos, supostamente tendo tirado suas próprias vidas após serem vítimas de estupro em massa por homens da milícia RSF. Este cenário trágico segue a deserção de um comandante do RSF para o SAF, levando a sociedade a um estado de côro e violência. A RSF sente-se impune, o que contribui para a intensificação da crise humanitária em virtude da falta de responsabilidade por seus atos.

Civis e agências de ajuda padecem as consequências de bombardeios e ataques encenados pelas forças armadas sudanesas e pelo RSF, impactando diretamente a segurança e o bem-estar de populações já vulneráveis. Entre eles, um recente bombardeio em um mercado lotado no norte de Darfur resultou na morte de mais de 100 pessoas, destacando as complexidades da guerra e suas consequências devastadoras.

Como o mundo respondeu à guerra?

O conflito sudanês, embora extremamente grave, foi em grande parte sufocado por rivalidades globais em outras partes do mundo. O chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, expressou preocupação de que “as facções em guerra também desafiaram esforços globais para terminar o conflito”. Blinken, por sua vez, alertou que atores estrangeiros estavam alimentando a guerra no Sudão, deixando claro a necessidade de um cessar-fogo imediato e uma resolução pacífica da situação.

Apesar de acusações mútuas entre SAF e RSF sobre bombardeios de civis, o cenário desenha um futuro incerto para os sudaneses. O governo militar do Sudão frequentemente acusou os Emirados Árabes Unidos de armar o RSF, o que a nação do Golfo nega. Uma investigação da CNN em 2023 revelou que o grupo de mercenários russo Wagner estava armando o RSF, embora a milícia e seus líderes negassem tais alegações.

A declaração de genocídio fará diferença?

Mutasim Ali, advogado sudanês, afirmou que a determinação dos EUA sobre genocídio no Sudão é “extremamente atrasada” e deveria ter ocorrido anteriormente; no entanto, considera isso uma forma de justiça pois reconhece as queixas das vítimas. Ele hope que essa determinação possa ajudar a pavimentar o caminho para responsabilizar os perpetradores e auxiliar na construção de um futuro pacífico e em lições aprendidas.

As sanções impostas ao Hemedti, assim como a declaração de genocídio, poderão ser cruciais para não apenas restringir suas ações, mas também para coibir o apoio estrangeiro que recebe. O futuro de dezenas de milhões de sudaneses agora reside nas mãos de líderes globais, que devem priorizar ações robustas e eficazes em resposta a esta tragédia implacável.

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